Em que área e profissão devo seguir para me realizar profissionalmente? Quais os valores me movem? Eu vim para fazer a diferença no quê? De que forma posso ser mais eu? Afinal, qual o meu propósito no mundo?
Os questionamentos acerca de um ideal de vida compõem um dos pacotes de maior angústia na sociedade atual. Na juventude – momento em que se dá início ao processo evolutivo profissional – essas dúvidas tomam proporções ainda maiores. É natural que seja nesse período que surjam os questionamentos internos, esse olhar para dentro que tenta desvendar o motivo de estarmos aqui e, sobretudo, de que forma podemos nos tornar realizados.
Para a coach, consultora e terapeuta de casal e família Maria Inês Santos Rosa, a origem desses anseios está na busca de significado, algo fundamental para o ser humano. Segundo ela, quando conseguimos identificar o nosso propósito de vida, tudo flui: fazemos escolhas mais acertadas, desempenhamos melhor o nosso papel no mundo, conquistamos paz e felicidade.
– O propósito de vida está fundamentalmente relacionado com a identidade, as crenças e os valores de cada pessoa. Desconhecendo isso, é muito mais difícil enxergar claramente o propósito – explica.
Por isso, analisa que a dificuldade dos jovens e adultos jovens está na falta de autoconhecimento, primeiro ponto que atua em seu trabalho como coach no consultório em Porto Alegre. Para isso, começa o que chama de uma série de “perguntas poderosas e conversas corajosas” que auxiliam no processo de descoberta interior e ampliam o universo de percepção: que coisas você faz sem que as pessoas peçam? O que acha que faz melhor do que os outros? Quais seus diferenciais, competências e habilidades? O que acha que com esses talentos pode fazer? Quais as crenças que limitam a alcançar suas metas pessoais e profissionais? Onde acha que poderia aplicar esses pontos positivos? Por que levanta todos os dias e vai trabalhar?
– Percebo que muitos jovens jamais pensaram sobre isso. São questões que faço para ir além da superfície e tentar chegar à essência, no que realmente se é. Nesse processo de auxiliar o jovem na construção de carreira, construímos em conjunto porque a resposta não está comigo. Não é o profissional que vai resolver, ele vai provocar a autorreflexão. Eu não digo quais as aptidões o jovem tem, eu o ajudo a trazê-las à tona para que ele descubra sozinho. A verdade sobre a gente está em nenhum outro lugar que não dentro de nós mesmo. Não há ninguém que saiba mais sobre o que traz sentido para nós do que nós mesmos – explica.
Outro exercício proposto por Maria Inês na jornada evolutiva consiste em olhar para o passado, como recordar os desejos, os sonhos e as alegrias da infância e da adolescência.
– Se a gente ajustar a lente vai perceber que as tarefas que nos dão prazer hoje em dia já se faziam presente, claro que em outras situações e características, lá atrás. Em muitos casos, as pessoas sabem que rumo dar para a vida, mas foram sendo conduzidas ou desviadas e acabam se afastando do real propósito e isso acaba adormecido com o tempo.
O segundo passo do trabalho de coach desenvolvido pela mestre em Psicologia consiste em aprimorar a forma de pensar voltada nas soluções, descobrindo, por meio dos pontos positivos, quais caminhos e possibilidades surgiram diante daquele cliente para que, na terceira etapa, a da ação, as alternativas comecem a se apresentar como o quê, quando e como fazer. A última etapa do trabalho inclui reavaliação, reconhecimento do aprendizado, feedback, integração de aprendizados.
O coach, explica Maria Inês, é um processo de orientação, um convite para mover-se na direção do futuro, localizando seu objetivo e propósito, criando e detalhando alternativas que irão facilitar e acelerar suas decisões para a realização profissional e pessoal.
– É um processo extremamente poderoso com resultados mais focais e rápidos do que outras abordagens. Quanto mais cedo o jovem identifica essas tendências dele, a margem dele ter uma carreira de “sucesso” é muito maior, mais evitará erros e impulsionará os resultados pois as metas serão mais específicas. É necessário levar em consideração a sensação de felicidade e prazer, antes do fator financeiro para a escolha da profissão.
Segundo Maria Inês, além das próprias dúvidas, as externas também contribuem para a complexidade da escolha dos possíveis caminhos. Tomados por pressões familiares que tentam garantir que façam escolhas não só corretas, mas, sobretudo, espetaculares ou imediatas, muitos jovens acabam confundindo os próprios desejos com expectativas alheias.
– No momento da definição profissional, fase repleta de questionamentos, é fundamental que os pais e, na medida do possível, profissionais habilitados, procurem atenuar situações de estresse e de ansiedade, dando apoio e direcionamento. Se a pressão é muito grande, atrapalha. Mas se o distanciamento é grande, também não ajuda. A minha experiência é que esse jovem não pode permanecer sozinho, tenha ele um temperamento mais introspectivo ou expansivo – analisa.
Outra trajetória muito observada é a troca de curso ou de profissão. Para Maria Inês, o comportamento é justamente fruto desta busca interior pelo ideal de vida.
– É muito comum o jovem começar por um caminho, como uma curso na Faculdade, mas ter outros interesses fortes. Muitos, acabam largando o curso inicial ou o finalizam sem se encontrar totalmente porque não era apenas aquilo que ele queria. Com o tempo, ele vai encontrando alternativas para reunir tudo aquilo que ele gosta em um caminho próprio e individual diferente dos modelos que possui. Ele acaba criando o próprio caminho com base em tudo aquilo que gosta e acredita. Tive muitos pacientes assim, que uniram os gostos e interesses, e que foram descobrindo isso com o tempo. Por exemplo, uma moça que uniu Medicina com um viés alternativo da área, longe dos consultórios, e outra que juntou zootecnia com fotografia. Para ambas, foi um processo de descobrimento que permitiu que unissem hoje em suas atividades mais de um interesse.
Foi por esse processo relatado pela especialista que passou Felipe Denz (na imagem acima; Foto: Ricardo Jaeger), jovem porto-alegrense de 35 anos que em 2012 largou tudo para ir atrás de seus propósitos. Estudando e trabalhando com Turismo em uma empresa em São Paulo, ele percebeu que a sua própria vida não fazia sentido e que precisava mudar de rumo. Interessado nas causas sociais desde a juventude, ele havia se afastado do tipo de atividades que mais lhe causavam bem-estar.
– Foi uma etapa difícil. Primeiro, percebi que não sabia o que queria da vida e nem tinha certeza se gostava do que já tinha feito até ali. Segundo, precisei aceitar que estava entrando num processo de transformação. Aí, vinha a cobrança. E agora? – relembra.
Felipe foi convidado pra participar de um programa em Porto Alegre chamado Oásis, que funciona como uma ferramenta para realização de sonhos coletivos. Foi assim que trabalhou no primeiro Oásis na Vila Bom Jesus e não parou mais. Depois, foi um dos 50 escolhidos para participar do Guerreiros Sem Armas, projeto desenvolvido pelo Instituto Elos, que tem como objetivo recrutar e formar jovens em empreendedorismo social.
Denz é co-fundador do Hands On Experiences, que desde 2016 se propõe a dar metodologias para quem almeja uma transformação. Com parceria da 1%, iniciativa baseada no Vila Flores que cria projetos de impacto positivo, quer levar a proposta para dentro do Presídio Central no primeiro semestre de 2018 e aplicar as estratégias para mudanças de cultura e de cenário em uma ala da penitenciária. Assim, sonha em contribuir para o processo de ressocialização de um grupo de detentos.
– Em contato com jovens ao longo dos anos, percebi que muitos têm a preocupação de fazer grande quantidade de cursos e formações, mas eles querem fazer tudo e não dão profundidade para nada. Esquecem o principal, a busca pelo autoconhecimento. E esse é o maior desafio, que ninguém nos ensina em lugar nenhum e que por isso é tão difícil, mas que é fundamental para a gente se posicionar diante do mundo: entender-se. Tudo começa por aí – reforça.
Hoje, além dos projetos sociais que está permanentemente envolvido, Denz é co-fundador ao lado da namorada do Estúdio Terra Mater, projeto de marcenaria que conta histórias e ressignifica as atividades do cotidiano através de objetos utilitários, feitos de forma manual e com materiais provenientes da natureza como madeira, cerâmica e tecidos naturais.
– Depois de buscar meu propósito por um tempo, me dei conta que propósito nada mais era do que honrar quem eu sou e oferecer o que tenho de melhor à sociedade a qual faço parte. Me permiti reconhecer meus talentos e abri espaço para me expressar por meio deles. É assim que utilizo meu propósito para melhorar a minha vida e a das pessoas ao meu redor.
Assim como Denz, Amanda Latosinski (foto acima) também integra os 16% dos jovens brasileiros que combinam um perfil interessado, mobilizador e de iniciativa segundo a pesquisa Sonho Brasileiro da Política, realizada pela agência de tendências Box1824, em 2014 – um ano após as manifestações de junho. A engenheira de produção porto-alegrense de 30 anos encontrou na luta pelo bem comum um propósito de vida. Hoje, ela atua em projetos de mobilização e educação para sustentabilidade como a Virada Sustentável Porto Alegre e a Caravana Cultural Arte e Sustentabilidade, ambos aliando ações de cultura e sustentabilidade.
Seu primeiro envolvimento com a área social foi há dez anos, quando ainda estava na faculdade e entrou na AIESEC, uma ONG internacional de estudantes que teve origem na abreviação de Associação Internacional dos Estudantes em Ciências Econômicas e Comerciais, mas hoje adota a sigla como nome próprio. Através da AIESEC fez dois intercâmbios sociais que permitiram enxergar a possibilidade de trabalhar com projetos socioambientais.
– Eu tive experiências profissionais em outras áreas, mas depois de sentir o gostinho de trabalhar com propósito, não dá mais para atuar de outra maneira. O trabalho que eu faço hoje está intimamente relacionado com o que eu acredito. O que me move é isso: trabalhar com desenvolvimento local e repensar novas formas de fazer as coisas. Descobrir maneiras de trabalhar, viver e se relacionar que sejam mais sustentáveis, colaborativas e inclusivas.
Outra jovem com potencial de transformação social é Ágatha Tommasi (esq, foto acima). Nascida às margens da Baía da Guanabara, a niteroiense de 27 anos cresceu em uma casa litorânea onde brincar na areia até podia, mas nadar no mar, nem pensar.
– É sujo, dizia a minha avó. Você vai ficar doente. A poluição daquela Baía tão magnifica foi, sem dúvida, uma das razões que me fizeram desejar, desde pequena, fazer a diferença no mundo.
Graduada em Engenharia Ambiental, estudou por dois anos na Alemanha, onde entendeu que as escolhas humanas devem ser usadas para transformar positivamente e não o contrário.
– Cada árvore arrancada, cada lixo gerado, cada metro cúbico de água contaminada foi a escolha de alguém. Desde então, passei a compreender a minha passagem neste mundo como um rio que atravessa um vale. Assim, eu soube que para mim já não bastava fazer a minha parte, mas, sim, eu precisava engajar, mobilizar, sensibilizar, inspirar outras pessoas a fazerem a diferença.
Foi assim que ela chegou a representar o Brasil no World Youth Parliament for Water (WYPW), onde foi indica também para representar a América Latina e Caribe e coordenar as atividades na região. Depois, ajudou a mediar o processo de criação do Parlamento Nacional da Juventude pela Água, modelo de ONG baseado no WYPW e que serviu de exemplo para outros países da América Latina. Entre os objetivos da iniciativa nacional estão o de enfatizar a importância dos jovens serem educados por outros jovens sobre problemáticas relacionadas à água e o de repensar o futuro participando de discussões relacionadas à temática da água.
O quatro exemplo é Betânia Zarzuela Avelar (de calça jeans, à esq. na foto acima), de 32 anos, filha e neta de ativistas sociais. Aos 17 anos, quando cursava Comunicação Social, ela compreendeu que seria possível viver do sonho de contribuir com uma sociedade mais justa.
– Foi no ano de 2003, durante o processo de articulação das Conferências Nacionais Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente a partir dos Coletivos de Juventude e Meio Ambiente, descobri que por meio da educação e do poder popular seria possível constituir uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. A partir de então tenho desenvolvido trabalhos com coletivos urbanos e no campo, com povos e populações tradicionais em reservas extrativistas, reservas de desenvolvimento sustentável, terras indígenas, comunidades ribeirinhas e coletivos de catadores de materiais recicláveis. É um pequena contribuição minha neste processo de luta, contudo, uma imensa contribuição destes coletivos na minha vida.
Hoje, a estudante de Ciências Sociais é assessora voluntária do Instituto India Amazônia, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) constituída em 2006 por um conjunto de profissionais de diversas áreas preocupados com a questão da preservação ambiental Amazônica e com a defesa da cultura e da qualidade de vida das populações tradicionais da região.
– Não faço mais que meus ancestrais não tenham lutado para que eu tivesse os direitos que tenho hoje e espero com sinceridade poder contribuir para que as gerações futuras possam desfrutar de uma sociedade melhor. Fui criada nesse contexto, não tive outra realidade que não a luta. É uma herança bendita, tenho o compromisso de contribuir para a construção de um mundo novo e possível.
Álison Klener (acima), de 23 anos, também saiu de sua zona de conforto para persistir em seus ideais. Ele é co-fundador da Alavanca Educacional, negócio social que conecta educação, tecnologia e autoconhecimento na jornada do ser humano. Guiado por valores como “amor, servir e gratidão”, ele começou a atuar com empreendedorismo social ainda na infância.
Acumulou experiências em vários coletivos que atuou pelo Brasil e internacionalmente. Viveu um ano trabalhando com inovação social na Amazônia, atuando com políticas públicas e projetos sociais com ribeirinhos, indígenas e ex-detentos.
No Brasil trabalha atualmente com educação comportamental para reduzir mortes no trânsito no Estado de SP e internacionalmente participa do Comitê Brasileiro do Nexus para articulação e Cooperação Internacional na busca de soluções para problemas globais que impactam localmente comunidades.
– Eu nunca quis um destino certo para a minha vida, e sim algo conectado com a minha verdade, com o que eu acredito. Essa frase guia a minha caminhada e me fez entender o que é viver com propósito.