Mara Lúcia Sartoretto
Pedagoga e diretora da Assistiva Tecnologia e Educação
A inclusão de pessoas com deficiência nas escolas comuns na rede regular de ensino coloca novos e grandes desafios para o sistema educacional. Talvez nos últimos tempos esse seja um dos temas que mais provoca professores das escolas comuns, professores do ensino especial, pais e comunidade a realizar discussões tão acaloradas a respeito de modificações que devem ser realizadas na escola que nem mesmo as três leis de diretrizes e bases conseguiram.
Entender a diferença não como algo fixo e incapacitante na pessoa, mas reconhecê-la como própria da condição humana ainda é muito distante e complexo para a maioria dos professores que trabalha com o conceito de que todos os alunos são iguais e que as turmas são homogêneas.
A diferença que se materializa não somente pela deficiência, mas também pelas diferenças de raça, sexo, religião, existe em todos nós, em todas as salas de aula, tendo alunos com deficiências ou não.
Analisando a história das pessoas com deficiência, vamos ver que por muitos anos elas perderam a sua identidade para a sua deficiência, não eram chamadas pelo seu nome, mas pelo nome da sua deficiência: o cego, o down, o surdo. Por isso, por muito tempo não tiveram acesso a escola comum: ficavam em casa ou eram atendidas em espaços segregados convivendo apenas com colegas que também tinham deficiência. Mesmo quando alguns desses alunos passaram a frequentar as classes comuns das escolas regulares num processo de integração, havia uma seleção prévia daqueles que estariam aptos e adequados ao formato da escola. A escola não precisaria mudar, os alunos,sim, teriam que mudar para se adequar as exigências da escola.
Mas a partir de 1988, a Constituição Federal garantiu o acesso de todos os alunos as turmas comuns do ensino regular. Isso tem levado a uma profunda reflexão sobre o sentido da escola, sobre o seu papel de formador das futuras gerações e sobre o desafio de considerar as diferenças na sala de aula um fator que qualifique e enriqueça o ensino.
A convivência entre crianças com e sem deficiência é benéfica para ambas. Ganham os alunos com deficiência à medida em que convivem em um ambiente desafiador, provocador, rico em experiências que os incentivem a pensar. E ganham os alunos ditos normais por terem oportunidade de aprender com a diferenças do outro, vivenciarem novas formas de construir conhecimento e de se comunicar (libras, braillle, recursos da tecnologia assistiva e da comunicação alternativa e aumentativa, entre outros) e, acima de tudo, por terem a oportunidade de vivenciar verdadeiros momentos de colaboração, ajuda mútua e solidariedade, tão necessários em nossos dias. E essa afirmativa é tão verdadeira que muitos são os pais de crianças ditas normais que lutam pelo direito de seus filhos terem colegas com deficiências.
Relatos de redes e escolas que estão vivendo a rica experiência de trabalhar com o objetivo de oferecer uma educação de qualidade para todas as crianças estão acontecendo em todo o país. E essas escolas e essas redes tem algumas coisas em comum, principalmente o desejo de sair do papel de mera repassadora de informações para o de produtora de conhecimento e emancipadora de seus alunos, tenham eles deficiências ou não.
“Entender a diferença não como algo fixo e incapacitante, mas reconhecê-la como própria da condição humana ainda é distante e complexo para a maioria dos professores que trabalha com a ideia de que todos alunos são iguais e as turmas, homogêneas”
A transformação de todas as escolas em escola inclusiva é um grande desafio que teremos que enfrentar. A redefinição do papel das escolas especiais como responsáveis pelo oferecimento de atendimento educacional especializado e das escolas comuns como o local onde os alunos através dos conhecimentos possam questionar a realidade e coletivamente viver experiências que reforcem o sentimento de pertencimento é condição para que a inclusão aconteça.
Nesse contexto, o redimensionamento no enfoque da formação dos professores é imprescindível, e o objetivo não deve ser o de adquirir conhecimentos, mas, sim, de desenvolver a capacidade de adquirir conhecimentos. Tanto quanto os seus alunos, os professores também têm que sentir-se incluídos. Nos projetos de formação duas realidades precisam ser consideradas: a pessoa do professor e a equipe (professor/escola).
É preciso que os problemas de aprendizagem deem lugar ao estudo e reflexão dos problemas do ensino, assim como em vez de preocuparmos sobre como devemos ensinar, precisamos estudar como os nossos alunos aprendem. Atividades tão comuns como ditar e escrever, falar e ouvir devem ser totalmente eliminadas pelos professores que nos seus espaços de formação precisam refletir suas praticas e criar alternativas que reconheçam que educar é muito mais do que preparar os alunos para fazer exames, decorar a tabuada ou reproduzir formulas e conceitos que não entendem.
Um bom projeto de formação continuada para professores que querem incluir não só alunos com deficiência mas todos os alunos deve:
– proporcionar espaços destinados ao trabalho em equipe dos professores, com o objetivo de fomentar a reflexão sobre a importância do reconhecimento das diferenças como um fator que qualifica o ambiente escolar;
– oportunizar encontros periódicos entre os distintos membros da comunidade escolar para debater iniciativas de melhoria.
Outro aspecto que deve ser considerado é a importância do atendimento educacional especializado, que deve ser oferecido para os alunos com deficiências, ou com altas habilidades que dele necessitarem.
O atendimento educacional especializado diferencia-se completamente do trabalho realizado na sala de aula comum. Deve ser oferecido nas salas de recursos, no horário oposto ao que o aluno frequenta a escola, individualmente ou em pequenos grupos, pelo professor com formação específica e abordar aquilo que é necessariamente diferente do ensino escolar com o objetivo de atender às necessidades específicas do aluno com deficiência ou com altas habilidades e deverá apoiar, complementar e suplementar os serviços educacionais comuns.
É através do atendimento educacional especializado que os professores do ensino comum e do ensino especial devem buscar soluções que venham beneficiar o aluno, respondendo às suas necessidades específicas, garantindo o acesso e permanência com sucesso na escola e assim combatendo a exclusão.
Para isso, o professor do Atendimento Educacional Especializado (AEE) deve articular-se com o professor da sala comum, orientando-o sobre o uso de equipamentos e materiais de acessibilidade e coletando informações a respeito da aprendizagem do aluno.
O professor do AEE deve ainda realizar observações dentro da sala de aula comum da interação do aluno com deficiência com os demais alunos para detectar a necessidade e a avaliação dos recursos de acessibilidade. Necessita ainda avaliar a necessidade de ajudas individuais em grupos para a atenção à diversidade de todo o corpo discente.