Nome completo:
Julia dos Santos Corrêa
Idade:
17 anos
Ano que está cursando e qual o colégio?
Estou no fim do 3º ano do Colégio Estadual Florinda Tubino Sampaio, em Porto Alegre. Entrei no 1º ano do Ensino Médio.
E o Fundamental?
Estudei em várias escolas, quer dizer, não foi bem em várias escolas. Assim, a 1ª série eu fiz na Escola Estadual Professor Leopoldo Tietbohl, depois eu fui para o Marista de Viamão porque eu me mudei mas também porque a minha mãe é professora e eu fui para a escola que ela estava dando aula. Aí, saí do Marista e fui para um colégio particular chamado Murialdo, depois terminei o Fundamental na Escola Nossa Senhora Do Brasil, que é uma escola pequena. E depois eu vim, finalmente, para o Tubino porque é uma escola estadual tradicional e porque eles queriam que eu tivesse um crescimento e uma vivência que não se tem em uma escola público, pois só uma escola pública te dá. Eles diziam que nas escolas particulares os alunos têm tudo de “mão beijada” e por isso, então, eles me matricularam aqui.
Onde mora?
No bairro Agronomia.
Com quem?
Minha mãe, meu pai e minha irmã.
Tu trabalhas?
Não, faço cursinho no Universitário da Dr. Flores desde março.
À tarde?
Sim, das 14h às 18h30min.
Tu participaste da Mobis? O que achaste de aprender cidadania na escola?
Foi incrível, eu acredito muito no que a iniciativa está fazendo e está lutando para conseguir. Quando nós fomos fazer este ano gravações para divulgar o projeto, eu me emocionei, eu chorei porque é uma coisa assim… muito emocionante (risos encabulados).
E tu participaste da ocupação no Tubino?
Sim, foi uma experiência incrível que eu tenho certeza que todos os que participaram sentem que cresceram muito. O que a gente ganhou de conhecimento e experiência, bah! Mas nem só de coisas positivas foram as ocupações, entramos em conflito com muito alunos do colégio que eram contrários à ocupação, que nos diziam que estavam sem aula por nossa culpa, mas graças a nós e ao repasse que nós negociamos com o governo é que conseguimos fazer algumas reformas na escola. Conseguimos acelerar um dinheiro que estava parada há anos.
E como foi?
Foi negociação do governo conosco mesmo. A escola estava ocupada e eles deram um prazo para desocupar e nós batemos o pé e dissemos que não sairíamos daqui até a gente ter o que a gente queria.
Vocês sentiam medo em virtude do momento de tensão e da repressão policial?
Muito. Foi um período muito tenso. E também teve a tensão marcada pela repressão policial. Tivemos barricadas, tínhamos um esquema para a BM não entrar, mas aí eles atiravam as bombas (bombas de efeito moral com gás lacrimogêneo)…. De tanto ir a ato (atos e manifestações públicas políticas) a gente meio que acostuma com a bomba. Infelizmente, a gente está bem acostumado a isso. E eu passo muito mal com gás, já quase desmaiei em ato com o gás, tive experiências horríveis. Ah, e teve a tensão não só da Polícia, mas de pais (fala sussurrando) de alunos que queriam bater na gente.
Quantos alunos ao todo ocuparam o Tubino?
Em torno de 60.
E tu dormiste aqui?
Não. Vinha de manhã cedo e voltava para casa à noite,
E como foi isso?
Foi bem tranquilo lá em casa. Eu sempre tive um anseio muito grande de participação e atuação na política em prol da cidadania. Sempre fui uma criança que buscou coisas diferentes e pelos outros, com esse viés social muito forte. Sempre tive essa influência dentro de casa, porque eles sempre foram muito ativos politicamente, meu pai foi militante político e tudo o mais.
O que teus pais fazem?
São professores. Meu pai é da rede Federal e a minha mãe do Município. E aí foi uma coisa que eu fui desenvolvendo dentro de mim porque apesar da vontade, eu não costuma participar de nada. Aí eu entrei no Tubino
Continua, por favor, eu te interrompi.
Assim, no Ensino Fundamental de escola pública eu percebo uma realidade um pouco bitolada por parte dos alunos, tu não tem problema para resolver porque é tudo entregue bem resolvidinho para o aluno. Mas aí eu entrei no Tubino no Ensino Médio e tive já na largada, no primeiro ano, a experiência com a Mobis. Como eu já tinha esse anseio, resolvi me agarrar a isso e eu me agarrei bem firme nessa oportunidade. No segundo anos, quando começaram as ocupações, eu fiquei meio ‘ai, agora não sei…’. Achei que ia ter baderna, bagunça, estava com um preconceito, mas compartilhei com os meus pais e a minha mãe me disse para eu ir ao Tubino e me permitir conhecer o movimento e conhecer as pessoas para dizer se queria ou não realmente participar. É que, no fundo, mesmo vendo essa diferença tão grande entre escola pública e privada, eu tive uma resistência muito grande quando fui para a pública, eu tive problemas sérios de pressão, passei mal, eu estava resistido muito a essa mudança. Mas a minha mãe me estimulou a vir e conhecer para, então, avaliar como e se eu participaria. Eu vim no primeiro dia, vi que era uma coisa séria, que era muito legal e resolvi integrar. Eu passava o dia inteiro aqui, só não dormia porque estava muito doente e tomando antibiótico, era inverno estava frio. Por isso, eu não tenho dúvida em afirmar que escola pública te proporciona coisas que a escola privada não vai te proporcionar. Esse meu crescimento que eu tive nenhum colégio particular me daria. Eu até brinco com amigos que durante aquele um mês de ocupação eu conheci uma Julia que nunca vai deixar de existir porque a sementinha foi plantada e eu vivenciei aquilo. E é muito diferente ouvir e vivenciar, por isso eu também brinco às vezes com os nossos conhecidos que se eles tiverem a oportunidade ao menos uma vez na vida, que ocupem uma escola. Não foi nada fácil, fomos acusados de passar o dia fazendo baderna e ficar dormindo, mas isso faz parte. Psicologicamente foi horrível, a gente saiu desgastado e cansada. Quem ficou em casa teve um mês de férias, mas nós não, nós ficamos mais cansados do que já estávamos porque recebíamos ameaças de agressão, como eu já falei, e o constante risco de invasão e de consequente agressão. Tinha dias que eu dormia com o celular ligado no lado para o caso de ocorrer alguma coisa, eu dizia para eles me chamarem durante a noite que eu ia correndo se precisassem de qualquer coisa ou se invadissem, por exemplo. Tivemos situações muito tensas. Tivemos, inclusive, uma situação muito tensa durante a ocupação no prédio da Secretaria da Fazenda (Sefaz) em que um colega nosso foi preso e a gente não sabia para onde ele havia sido levado porque ele, simplesmente, desapareceu. Quem foi para a Sefaz a gente não conseguiu saber nada do que aconteceu com eles. Depois que a gente descobriu que tinha tido gente que havia sido levado para o Presídio Central, para o Deca, aí foi muito tenso. Foi no final das ocupações, mas tenso igual.
Poderias citar outros exemplos de momentos difíceis durante a ocupação?
Alguns colegas da escola cansaram de nos trancar na escola. Eles cansaram de quebrar palito de dente dentro do cadeado para a gente ficar preso aqui dentro durante a ocupação. Nos chamavam de um bando de vagabundos, uma coisa de baixo calão, jogaram rojão aqui dentro. E aí depois teve a polêmica do grafite na escola. Durante a ocupação a gente fez um grafite em um muro lá no fundo da escola, algo para deixar a nossa marca, que deixasse registrado a ocupação e o que tinha acontecido aqui dentro, mas não foi autorizado pela direção e a gente fez sem autorização mesmo. Mas aí teve um aluno, alguns alunos, na verdade, que escreveram coisas horríveis em cima do nosso grafite, até apologia ao nazismo eles fizeram, cheio de palavrões. Mas aí durante as férias a escola simplesmente apagou o nosso grafite pintando de branco todo o muro e dizendo que um cano tinha estourado, mas nós conseguimos provar que não havia nenhuma infiltração na parede. Aí, depois de toda a polêmica eles resolveram então estimular os alunos a fazerem um novo grafite, que é o que está lá até hoje.
Vocês tiveram apoio da comunidade?
Sim, pouco. A gente conseguiu um advogado que mora próximo ao Tubino para nos ajudar, tivemos muitas pessoas da comunidade, do bairro, dos arredores do Tubino que traziam água para nós todas as noites. Contra nós mesmo ficaram os pais, a maior parte dos alunos e a maior parte dos professores também. A gente teve um apoio parcial da escola, praticamente, dá para contar nos dedos os professores que nos apoiaram e nos ajudaram. Os que estava no nosso lado trouxeram pessoas para conhecer a nossa ocupação porque tivemos uma ocupação considerada modelo com organização extrema.
E hoje tu participas como da vida pública, como exerce a tua cidadania?
Eu fui a todos os atos da PEC, ainda hoje vou a atos, mas diminuí por causa da intensificação dos estudos e porque ato cansa, é um desgaste emocional incrível. Eu vou e preciso de muito tempo para me recuperar daquilo porque eu estou em um ritmo de estudos intenso para o vestibular.
O que tu gostas de fazer quando está fora do colégio?
Eu gosto de sair com os meus amigos, mas agora, principalmente, gosto de descansar. Mas a verdade é que eu estou sempre em função de alguma coisa, eu meio que nunca paro (risos). Eu sou meio estressadinha, meio esquentadinha e por isso eu acho que eu não consigo muito relaxar. Mas quando eu tenho tempo eu busco sair com os meus amigos, desopilar dessa coisa toda porque eu também sou um pouco sentimental e é um desgaste psicológico brutal… No ano passado eu passei por uma situação em ato contra a PEC que eu quase desmaiei e fiquei muito abalada porque inalei muito gás… Foi um ato no início de dezembro na Rua Riachuelo e foi o ato que mais teve bomba de gás lançada pela Polícia porque a linha de frente do ato estava muito preparada só que a Polícia estava muito equipada também. Eu acabei me perdendo dos meus amigos que estavam participando e fiquei com outro grupo também de conhecidos. A nossa sorte foi que uma mãe de uma amiga nos encontrou no Centro. Eles estavam me dando água para ver se eu melhorava e conseguia respirar, até porque eu estava muito nervosa, e depois nós conseguimos nos reencontrar. E com isso eu me abalei muito e a minha mãe decidiu que eu devia dar uma pausa porque, apesar de todos os absurdos que estão fazendo nesse país, um deles é fazer isso com quem está tentando mudar e fazer algo para todos, Isso ficava martelando na minha cabeça e eu chorava… Dá uma tristeza levar bomba por estar lutando por uma vida e por condições melhores para as pessoas. Eu já quase me machuquei, mas conheço pessoas que se machucaram realmente. Ou seja, a nossa conclusão é que ‘é perigoso lutar pelos nossos direitos’.
O que tinha no grafite?
Era uma árvore com uma livro aberto onde estava escrito o nome de todos os alunos que ocuparam a escola em 2016, uma assinatura de todos. E tinham dois bonequinhos negros com a cara tapada e um spray na mão como se eles estivessem grafitando o muro. E também estava escrito Ocupa Tubino. Foi feito durante uma oficina de grafite. Eles disseram que era muito agressivo, que era crime estar com a cara tapada. É que durante as ocupações nós tapávamos os nossos rostos por proteção nossa, para conseguir respirar em caso de bomba, por exemplo, ou não sofrer perseguição pós-movimento, não sei… A gente tem de ter esta cautela. Mas o que a gente ouvia? Só críticas.
E hoje como esta a situação no colégio, mais tranquila?
Sim, os alunos que ocuparam têm uma certeza voz, já não se pode dizer o mesmo dos professores.
Como assim?
Porque os professores que apoiaram a ocupação foram transferidos para outras escola. Quem era professor qualificado da área foi colocado à disposição para ir para outra escola e vieram professores que não são qualificadas para essas áreas.
O que tu quer estudar quando terminar o colégio?
Eu quero fazer Odontologia. É que eu botei na cabeça desde que eu tinha cinco que eu queria ser dentista e porque eu gosto muito de Biologia. Eu adoro estudar Biologia, eu estudo com muito prazer. Teve um período em que eu fiquei na dúvida entre Odonto e Medicina, mas decidi pela Odonto porque acredito, particularmente, que o que cada um de nós tem de mais bonito é o sorriso, e um sorriso pode mudar tudo. Então, eu quero estudar, me formar e ter meu
consultório, mas quero também fazer um trabalho social, talvez em posto de saúde, para ajudar as pessoas que pela falta de dentes ou pelo estado de saúde da boca deixaram de sorrir. Para me sentir bem comigo mesma, eu quero ajudar pessoas a voltarem a sorrir, pessoas mais velhas, crianças. Não quero deixar de lado, de forma alguma, o a minha preocupação social. Vou tentar aplicar da maneira que eu posso e gosto.
E como estão as notas? Dá para passar?
Dá sim, eu sempre me saí bem. Eu fui uma aluna que nunca se contentou, como diz a minha mãe, com nota medíocre. Eu sempre quis ser nota 10, nota 9. Claro que tem matérias que eu me saio pior, como Matemática, Física, porque eu não gosto mesmo. Eu não estou tendo as notas que eu tirava no 1º e no 2º ano, que eu só tinha conceito bom, mas estou me saindo bem.
E as leituras obrigatórias da UFRGS. Falta pouco para as provas, chegaste a ler todas?
Não, não consegui. Li uma, para falar bem a verdade, mas estou lendo os resumos no cursinho e também já ouvi umas duas vezes o álbum (Elis & Tom, de 1974), é que é realmente muito corrido. Quando se chega em casa, tu não tens só as tarefas para fazer do cursinho, tem coisas de escola, eu tenho de ajudar em casa pois eu tenho uma irmãzinha menor, de 11 anos.
Tu te sentes ouvida como jovem?
Não, a gente tem de berrar para ser ouvido. A gente agora é um pouco respeitado na escola por conta das ocupações, ‘respeita a nossa história’ (risos), a gente costuma dizer. Na sociedade, é muito difícil a gente conseguir dizer que ocupamos uma escola e sermos ouvidos de maneira séria. Me olham assim: ‘tu, deste tamainho querendo fazer alguma coisa?’. E não são só os adultos que não reconhecem o nosso potencial, são colegas, alunos da nossa idade que nos perguntam: ‘o que tu está querendo se meter com política?’, ‘tu não tem idade para pensar em política’. Os jovens ainda não têm a voz que deveriam ter e eu acredito muito no que a gente faz e eu acho que só assim para a gente conseguir mudar tanta coisa de errado neste mundo. Eu agradeço muito as pessoas que o Tubino me deu, elas foram um presente para mim por terem entrado na minha vida. Eu consegui aqui encontrar pessoas que pensam parecido comigo e que estão dispostas a lutar por essas coisas junto comigo. E tudo isso me ajudou a colocar para fora aquela angústia interna que já existia sobre o mundo, mas que eu acabava não conseguindo fazer nada para mudar. Encontrei pessoas que têm esse anseio de mudança e me ajudam a fazer acontecer.
Projeto Caras da Educação retrata jovens estudantes porto-alegrenses
Caras da educação do dia é … Gabriela Silva Bica
Cara da educação é… Morgana Oliveira
Cara da educação é… Andrew Araújo
Cara da educação é… Shayene Gonçalves
Caras da educação é… Eduardo Mendonça da Silva
Caras da educação é… Marcelo dos Santos
Caras da educação é… Rhaynne Lopes Miranda
Caras da educação é… Laura Feck Rosado Costa