LER PARA TRANSFORMAR

Prêmio RBS de Educação – Para Entender o Mundo dissemina exemplos como o da professora Maria Alice Gouvêa Campesato, que levou a comunidade de uma escola na periferia de Porto Alegre a embarcar na viagem da leitura. Há cinco anos, a distinção incentiva as práticas de educadores que abrem as portas da leitura a um país com 27% de analfabetos funcionais.

Maria Alice Gouvêa Campesato entrou na sala da turma B30 da Escola Municipal de Ensino Fundamental Nossa Senhora do Carmo, em Porto Alegre, puxando uma mala de rodinhas. Era uma manhã de outono de 2013, e os alunos de Língua Portuguesa do sexto ano da escola, localizada no bairro Restinga, tentaram adivinhar o que havia nela. Seriam roupas, perfumes, eletrônicos? Ninguém acertou. Quando a professora finalmente abriu o apetrecho e retirou obras como as de Monteiro Lobato, Ruth Rocha, Ricardo Azevedo e Ana Maria Machado, todas de seu acervo infanto-juvenil próprio, a decepção foi visível.

“Eles não davam valor aos livros, não tinham o hábito de ler”, relembra Maria Alice, que comprou a mala especialmente para o projeto que idealizou, o Viagens Literárias.

Ela não desistiu diante de narizes torcidos. Arrumou a biblioteca ambulante num canto e propôs aos alunos que explorassem livros de textos curtos. Um dia eram poemas. No outro, contos, crônicas e assim por diante. Aos poucos, cerca de 60 estudantes entre 12 e 13 anos de idade, moradores da periferia de Porto Alegre, passaram a desbravar por conta própria aquela bagagem literária.

“Eles não davam valor aos livros, não tinham o hábito de ler”, lembra Maria Alice quando chegou na sala de aula e abriu  a mala repleta de obras

Com habilidade pedagógica e persistência, Maria Alice impregnou o ambiente de paixão pelos livros e contagiou a escola. Com o tempo, ela percebeu que os alunos começaram a valorizar os livros, a leitura, e a mala passou a ter outro significado para aqueles jovens.

Uma das preocupações dos professores da escola é trabalhar os conteúdos de forma integrada entre disciplinas e professores, transbordando as matérias para além dos períodos específicos de aula.

“Quando a gente tem um projeto de Literatura, procuramos expandi-lo para a música ou para a dança, por exemplo, em projetos que envolvam o coletivo da escola”, explica.

Por isso, no decorrer do ano letivo, foi criado o clube da leitura – grupo que se encontrava na biblioteca para ler e declamar poemas no turno inverso da aula. A escola também incluiu no seu calendário de atividades saraus literários abertos à comunidade.

“Em um deles, numa noite fria e chuvosa, foi emocionante ver aqueles meninos e meninas com roupas de domingo, trazendo para a escola a família e pratos de comida”, diz a servidora municipal de 52 anos, graduada em Literatura e História, especialista em História do Brasil, mestre em Gestão Escolar e doutoranda em Educação.

 “É ainda mais necessário (o Prêmio RBS de Educação) quando se trata de uma escola da periferia, com realidades tão difíceis como a da Restinga, por exemplo, onde dominam as notícias negativas”, defende a educadora que, hoje, dá aulas de História

A proposta ganhou o slogan “Escolha um livro e embarque nesta aventura você também” e sua proporção fugiu ao alcance da mentora. No final daquele ano, o Viagens Literárias foi um dos sete vencedores do primeiro Prêmio RBS de Educação – Para Entender o Mundo, promovido pela Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho (FMSS) e apoio técnico do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).

Criada para melhorar a qualidade da Educação Básica no país – onde o analfabetismo funcional chega a 27% da população entre 15 e 64 anos, conforme o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) publicado em 2016 –, a premiação valoriza o trabalho de professores e estudantes de escolas públicas e privadas, disseminando boas práticas de incentivo à leitura em diferentes áreas do conhecimento.

 


Flores, faixas, aplausos e muitos abraços marcaram o retorno de Maria Alice à escola após 1º Prêmio RBS de Educação, em 2013. Foto: Félix Zucco / Agencia RBS

 

Para Maria Alice, além de estimular a elaboração de projetos educativos de qualidade, o concurso ajuda a construir uma perspectiva diferenciada do ensino público, em geral estigmatizado. A professora diz que o reconhecimento do Prêmio RBS de Educação tem reflexos na autoestima da comunidade como um todo.

“É ainda mais necessário quando se trata de uma escola da periferia, com realidades tão difíceis como a da Restinga, por exemplo, onde dominam as notícias negativas”, defende a educadora que, hoje, dá aulas de História nos 7º, 8º e 9º anos.

 

“Em uma noite fria e chuvosa, foi emocionante ver aqueles meninos e meninas com roupas de domingo trazendo a família e pratos de comida para o sarau na nossa escola”, recorda a professora

O projeto de Maria Alice foi um dos 6,6 mil inscritos entre 2013 e 2016 e submetidos a uma seleção realizada por especialistas e profissionais do Grupo RBS. Em todas as edições, os vencedores entre os finalistas são escolhidos por votação popular. Desde o início da premiação, o site registrou 1,4 milhões de votos. Além de reconhecer projetos de escolas públicas e privadas, a parceria da Fundação e Cenpec promove cursos online e gratuitos de mediação leitura para qualificar a formação de novos leitores. Mais de 19,7 mil pessoas realizaram o treinamento em quatro anos.

Com os R$ 10 mil recebidos na premiação, a escola Nossa Senhora do Carmo investiu em livros e no conforto de seus 900 alunos, criando um recanto de leitura na sala de História, onde a ideia de Maria Alice segue viva e inspira outros meninos e meninas a seguir viagem.

 

Reportagem: Ana Carolina Bolsson
Edição de textos: Vivian Eichler
Fotos: Letícia Zluhan
Vídeo: Johnny Marco Filmes