UMA HISTÓRIA DE PARCERIA COM A SOCIEDADE CIVIL

Há 17 anos, a Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho e outras instituições em Porto Alegre uniram esforços para criar o Banco de Alimentos, uma rede que gerencia o desperdício em refeitórios, supermercados, empresas e indústrias. Com a iniciativa, milhares de pessoas atendidas por organizações sociais passaram a comer o que antes ia para o lixo. O modelo, centrado na mobilização de voluntários, é hoje reproduzido em outras 22 cidades do Rio Grande do Sul.

Iguarias que esfriavam nos buffets de refeitórios e iam para o lixo. Vegetais que amadureciam nas gôndolas de supermercados e eram jogados fora. Produtos não perecíveis descartados perto da data de validade. No final dos anos 1990, era esse o destino das sobras na capital gaúcha, até que representantes de 11 instituições, entre elas a Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho (FMSS), criaram o Banco de Alimentos de Porto Alegre – um gerenciador do desperdício, que faz chegar comida a quem mais precisa.

A ideia deu frutos e hoje é reproduzida em 22 cidades no Rio Grande do Sul. Seu sucesso está nas minúcias de logística. Começa pelo cuidado com que se armazena o excedente diário na indústria de refeições coletivas, como refeitórios de empresas, bancos, universidades, associações comerciais e órgãos do poder público, entre outros. Podem participar do programa estabelecimentos onde, por lei, é exigida a presença de um nutricionista, que acompanha todo o processo de acondicionamento e recolha.

O que fica nas panelas e resta nas cubas – e seria descartado – é pesado, submetido a um processo de tratamento térmico acima de 70º C e embalado hermeticamente. Os produtos são etiquetados com informações sobre os ingredientes e levados até as instituições cadastradas, como creches, escolas e asilos, onde devem ser consumidos em até quatro horas.

“A Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho ajudou em todas as ações para pôr o Banco de Alimentos de pé. Seu papel agregador foi incrível”, diz Paulo Renê, presidente do Banco de Alimentos

O procedimento é outro com os hortifrutigranjeiros e não perecíveis, doados por redes de supermercados, empresas e indústrias. Depois de transportados até uma central de arrecadações na Avenida Assis Brasil, zona norte da capital gaúcha, são analisados e classificados para só então serem direcionados a organizações assistenciais. Atualmente, 308 entidades recebem os alimentos, seguindo um cronograma de entrega por regiões.

O Banco de Alimentos dispõe de alguns poucos veículos próprios para o transporte, mas quase toda a coleta e distribuição é feita por caminhões do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs), que entrega, em média, 250 toneladas de alimentos por mês. Em 2016, foram distribuídas 1,7 mil toneladas, o que permitiu alimentar 41 mil pessoas por mês. Desde a sua fundação, esse sistema remanejou 35 mil toneladas de comida em Porto Alegre.

“O Banco identifica a cadeia de desperdício e tira proveito dela, levando a quem está com o prato vazio o que sobra em outros”, destaca o presidente executivo e voluntário, Paulo Renê Bernhard, 70 anos, aposentado do setor bancário.

As doações enriquecem, por exemplo, 800 refeições diárias no Instituto Pequena Casa da Criança. O local, com 60 anos de história, recebeu em 2011 a certificação máxima no Cozinha Nota Dez, programa do Banco de Alimentos que difunde a cultura da qualidade e da higiene. O projeto é um dos cinco realizados em parceria com universidades na área de segurança alimentar e nutrição.

“Nossos funcionários receberam orientações sobre armazenagem, aproveitamento e manipulação, bem como sugestões de melhoria estrutural na cozinha e no refeitório. Foi um incentivo que gerou um resultado enorme e nos motiva a continuar”, diz a presidente, irmã Pierina Lorenzoni.

“O Banco de Alimentos identifica a cadeia de desperdício e tira proveito dela, levando a quem está com o prato vazio o que sobra em outros”, diz Paulo Renê

O modelo de Porto Alegre deu origem, em 2007, à Rede de Bancos de Alimentos do Rio Grande do Sul e também influenciou a criação de outras 13 iniciativas que seguem a mesma lógica em diferentes áreas, os chamados Bancos Sociais. Há bancos sociais de livros, computadores, vestuário, medicamentos, mobiliário, materiais de construção, entre outros.

No Banco de Alimentos, a FMSS abraçou a causa ao lado das outras 10 instituições que integraram o grupo inicial. São elas: Centro das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul, Serviço Social da Indústria do Rio Grande do Sul, Parceiros Voluntários, Associação Gaúcha de Supermercados, Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa, Associação Leopoldina Juvenil, Rotary International, Setcergs, Sindicato das Indústrias da Alimentação do Estado do Rio Grande do Sul e Sindicato de Hospedagem e Alimentação de POA e Região.

Uma das ações da FMSS foi intermediar parcerias, como a que se deu com a Avina, fundação latino-americana que financia e fortalece processos de transformação social com impactos positivos no desenvolvimento sustentável. Nos primeiro anos, a ONG cedeu ao Banco de Alimentos recursos para marketing e publicidade.

“A Fundação ajudou em todas as ações para pôr o Banco de Alimentos de pé. Seu papel agregador foi incrível”, relembra Renê, que destaca a ação da FMSS na concepção da ideia e na mobilização da sociedade por meio dos canais do Grupo RBS.

Hoje, o trabalho já consolidado é realizado por uma equipe de sete funcionários e centenas de voluntários. Ao olhar em retrospectiva a trajetória do Banco de Alimentos, Renê comemora a amplitude do projeto – um esforço que, ao rejeitar a cultura do desperdício, tornou-se vital para o dia a dia de milhares de pessoas.

 

Reportagem: Ana Carolina Bolsson
Edição de textos: Vivian Eichler
Fotos: Letícia Zluhan
Vídeo: Johnny Marco Filmes