(foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
“Acolhimento e confinamento”
Quando estabelecidos os primeiros institutos que visavam à educação das pessoas com deficiência, estes mantinham uma relação direta entre o aspecto médico-clínico e a deficiência. Como o Imperial Instituto dos Meninos Cegos (hoje Instituto Benjamin Constant) de 1854, e o Instituto de Surdos Mudos, de 1856, ambos localizados no Rio de Janeiro. Restritos a estudantes entre 6 e 14 anos, os institutos tinham o objetivo de promover a educação moral e funcional das pessoas com deficiência para incluí-las na sociedade – e saindo empregadas como “repetidoras” assim que concluíssem a sua formação, aos 22 anos.
O aspecto funcional e clínico da educação especial se repetiu em várias outras instituições, como uma resposta à discriminação social contra os deficientes, considerados “inválidos” perante a sociedade. Essa resposta, porém, muitas vezes se dava mediante violências físicas e experimentos científicos não autorizados – o que foi colocado por pesquisadores como Aranha como o “paradigma da institucionalização”: acolher e confinar as pessoas com deficiência.
A educação humanizada das pessoas com deficiência passa a constar como foco em política pública em 1957, quando da instituição da Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro. Segundo o decreto, do então presidente Juscelino Kubitschek, o objetivo da campanha era “promover as medidas necessárias para assistência e educação no seu mais amplo sentido”. A Campanha tinha como lema “O surdo não é diferente de você, ajude a educá-lo”, e contou com um trabalho interdisciplinar que envolveu inserção no mercado de trabalho, atividades culturais e um forte trabalho de mídia, alertando a sociedade para a necessidade de ver as pessoas com deficiência auditiva como iguais. Na ocasião, além da inserção em salas de aula comuns, também foi criado o Curso de Especialização de Professores de Surdos.
A iniciativa de humanizar a educação das pessoas com deficiência surge a partir da consolidação de instituições privadas que rompem a lógica do confinamento, como o Instituto Pestalozzi (estabelecido em 1952) e a APAE (de 1954). A institucionalização legal da educação especial surge na Lei de Diretrizes e Bases de 1961. Nos artigos 88 e 89 está explícito que a educação de pessoas com deficiência, então chamadas de excepcionais, deve “enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade”.
A inclusão como reivindicação
A partir dos anos 50, as legislações estaduais e municipais acerca da inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho e na educação passa a observar o termo “excepcionais” – antes disso, os termos utilizados eram “anormais”, “idiotas”, “portadores de defeitos”. Os movimentos sociais e políticos das pessoas com deficiência passam a se intensificar, buscando os direitos humanos garantidos na Declaração Universal de 1948.
Na tese “Da Invisibilidade à Construção da Própria Cidadania”, de Ana Maria Crespo (USP), estão descritos alguns dos movimentos pioneiros, como o Clube dos Paraplégicos de São Paulo (fundado em 1958), a Associação Brasileira de Deficientes Físicos (1961) e a Fraternidade Cristã de Deficientes, que chegou ao Brasil em 1972, na cidade de São Leopoldo, através de Vicente Masip.
Essas organizações sociais, estabelecidas antes da redemocratização, obtém avanços significativos para a legislação relativa a PCDs. Outro marco importante foi o ano de 1981, estabelecido pela ONU como o Ano Internacional das Pessoas com Deficiência.
Em 1989, a Lei 7853, sancionada pelo então presidente José Sarney, estabelece pontos importantes: define como crime colocar obstáculos às matrículas de pessoas com deficiência em estabelecimentos de ensino, e estabelece a Educação Especial como política pública, disciplinada por uma secretaria especial no MEC. Em 1994, o Brasil assina a Declaração de Salamanca, que atesta a eficácia da inserção de pessoas com deficiência nas escolas regulares para promover uma sociedade mais igualitária, com menos preconceito.
“escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional.”
A Lei de Diretrizes e Bases de 1996 deixa de forma explícita que a prioridade das gestões públicas deve ser a inserção no ensino regular, no parágrafo 2º do artigo 58:
“O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.”
E também no parágrafo único do artigo 60:
“O poder público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo.” (a redação original falava em “portadores de necessidades especiais”, e foi alterada em 2013)
Da mesma forma, a Lei 10.098/00 estabelece normas gerais para a promoção da acessibilidade, e a resolução do Conselho Nacional de Educação 2/2001 define que as escolas do ensino regular devem matricular todos os alunos em suas classes comuns, com os apoios necessários.
A inclusão como meta
Apesar do estabelecimento desta política pública, os obstáculos ainda estavam presentes. De acordo com o Censo Escolar de 2000, ano em que foram definidas as normas gerais de promoção da acessibilidade, 300 mil pessoas com deficiência estavam matriculadas em escolas especializadas e classes especiais, contra 81,6 mil em matrículas regulares e classes comuns.
A promoção das políticas de inclusão a partir das declarações e das leis estabelecidas permitiu a virada nesse quadro em 2008, quando pela primeira vez o número de PCDs matriculados no ensino regular superou as classes especiais: 375 mil x 319,9 mil. Também neste ano foi lançado o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, assinado pelo governo brasileiro e pela UNESCO.
No item 9 das ações programáticas, fica explícita a necessidade de trabalhar o combate ao preconceito contra as pessoas com deficiência:
“9. fomentar a inclusão, no currículo escolar, das temáticas relativas a gênero, identidade de gênero, raça e etnia, religião, orientação sexual, pessoas com deficiências, entre outros, bem como todas as formas de discriminação e violações de direitos, assegurando a formação continuada dos(as) trabalhadores(as) da educação para lidar criticamente com esses temas;”
Em 2009, o Brasil assina a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, cujo artigo 4 coloca as normas sobre as quais os Estados devem basear as políticas públicas de educação de PCDs. Naquele ano, para minimizar o déficit de formação de professores e profissionais de educação, a Resolução 4 do Conselho Nacional de Educação estabeleceu as diretrizes para atuação dos profissionais de Atendimento Educacional Especializado nas escolas.
Até 2016, o Censo Escolar do MEC não mapeou quantos profissionais de AEE e quantas salas de recursos multifuncionais estão à disposição dos estudantes com deficiência no Brasil. O número de matrículas no ensino regular atingiu o maior patamar histórico neste ano: 796 mil, o equivalente a 82% das matrículas – 94,2% no escopo das escolas públicas. Entretanto, como os dados de pessoas com deficiência em idade escolar não são conclusivos e têm divergências em relação à caracterização da deficiência, o Observatório do Plano Nacional de Educação não considera que a meta esteja próxima de ser atingida.
Não adianta a lei no papel se não há quem a faça cumprir. Isso é especialmente válido na educação - e mais ainda na inclusão de deficientes físicos.