A terapeuta ocupacional e mestra em educação Suzy de Abreu Costa, citada em uma reportagem da editoria Conhecimento Transforma da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho (em GaúchaZH), foi entrevistada por colaboradores da Fundação e também por professores que enviaram projetos para o Mapa de Boas Práticas.
Suzy, que é fundadora da Helfen Reabilitação Integrada, de Taquara, falou um pouco sobre os métodos pedagógicos necessários para professores que querem saber mais sobre inclusão de pessoas com deficiência cognitiva e também respondeu a dúvidas sobre outros temas relacionados à educação inclusiva.
Confira a entrevista a seguir!
Quer entrar no grupo do Mapa de Boas Práticas?
Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho – Suzy, poderia nos descrever, por favor, um pouco de como é a sua formação e qual o seu trabalho na Helfen?
Suzy – Eu tenho a graduação em Terapia Ocupacional, especialização em Supervisão Educacional, mestrado em Educação, e estou fazendo um doutorado, pela Universidade Aberta de Portugal em Educação e Interculturalidade. Sou fundadora da Helfen, Reabilitação Integrada Ltda, sendo esta empresa, mantenedora da Escola Especial Marcel Emílio Dani. Nestes 26 anos de criação, sendo 10 da Escola, temos oportunizado vários cursos na área da inclusão para diferentes Municípios vizinhos de Taquara.
FMSS – Como funcionam esses cursos? O que os educadores e as educadoras aprendem, e como eles conseguem uma formação melhor nas suas áreas, tendo em vista que existe uma necessidade de todos os educadores trabalharem com estudantes com deficiência nas escolas regulares?
Suzy – Os temas são diversos, desde estratégias pedagógicas, conceitos de patologias à adaptação curricular. O que eu tento passar para os professores, primeiramente, é a importância de terem um diagnóstico adequado do aluno, e para isso é imprescindível a parceria com o núcleo de apoio, formado por técnicos na área da reabilitação. Posteriormente, o nível cognitivo e o centro de interesse para que se possa montar uma proposta pedagógica que seja condizente com as habilidades e potencialidades do aluno.
FMSS – A Helfen trabalha principalmente com pessoas com deficiência cognitiva, certo? Como montar propostas pedagógicas para pessoas que tem uma capacidade cognitiva diversa da sua idade cronológica?
Suzy – Trabalho muito com as abordagens pedagógicas de grandes pesquisadores, tais como: Piaget, Maria Montessori, Paulo Freire, Freinet, Gardner, Vitor da Fonseca, Vygotsky, Emília Ferreira e Rogers.
“Na minha experiência de 32 anos, sugiro que os cursos de magistério ou normal, e de graduação, deveriam ter estágios práticos nas diferentes escolas especiais e APAEs, assim haveria uma experiência pedagógica com pessoas deficientes e uma troca de aprendizagens com as pessoas que atuam diretamente nesta área.”
Júlia Duarte – Você poderia descrever para nós qual o sentimento que você têm ao ver o resultado do seu trabalho no dia-a-dia com os alunos? 🙂
Suzy – O resultado está em ver a alegria no rosto de cada aluno! A maioria tem diagnóstico de deficiência severa, o que significa um nível cognitivo de mais ou menos 3,6 anos de idade, o que espera-se do Educador muita paciência, conhecimento, empatia, criatividade e muito amor!
Para nós é muito significativo ver o desenvolvimento psicomotor acontecendo, muitas vezes, lentamente, por exemplo o que uma criança demoraria até 1a6m para caminhar, outra com dificuldade motora, pode levar dois, três ou dez anos, dependendo da intensidade da lesão. Ficamos, juntos com os familiares, muito felizes com as pequenas conquistas de cada fase.
FMSS – Uma das questões que mais aparece, quando falamos com professores, é a questão do preconceito dos demais alunos – e às vezes mesmo dos colegas docentes. Como trabalhar com o combate ao preconceito no dia a dia? Como vocês lidam, na Helfen e na Escola Marcel Emílio Dani, com a desconstrução desses preconceitos ao contratar novos profissionais?
Suzy – O preconceito, infelizmente, ainda está muito relacionado com o que a sociedade determinou o que seria”normal”…. Tento trabalhar com as escolas que a deficiência maior ainda é a imoralidade, e isso, todos nós temos, no mínimo, um cadinho… O trabalho com todos que compõem a comunidade, de criar-se novos paradigmas escolares é de fundamental importância para que haja uma minimização dos estigmas, dos preconceitos.
Ana Bolsson – A abordagem da educação inclusiva no curso de Pedagogia ainda é considerada escassa por especialistas, aquém da realidade que esses profissionais vão encontrar no dia a dia nas escolas. Quais os principais desafios em formar professores para atuar na área da educação inclusiva?
Suzy – Na minha experiência de 32 anos, sugiro que os cursos de magistério ou normal, e de graduação, deveriam ter estágios práticos nas diferentes escolas especiais e APAEs, assim haveria uma experiência pedagógica com pessoas deficientes e uma troca de aprendizagens com as pessoas que atuam diretamente nesta área.
Luís Felipe – Um professor, ou uma professora, iniciante, tem espaço para buscar esses estágios práticos por sua própria conta?
Suzy – O professor que teve somente conhecimento teórico sobre os tipos de deficiências, legislação, abordagens pedagógica, adaptação curricular e recursos facilitadores, ainda não estará capacitado para atuar nesta área pois falta o fundamental, o contato humano, a troca de afeto e colocar em prática as suas teorias.
A nossa Escola, como faz recesso escolar somente três semanas por ano, constantemente oferecemos gratuitamente estágios de observação, considerando o tempo disponível de cada educador. Reconhecemos a importância desta proatividade do educador, dando-lhe um certificado, o que muito o tem facilitado quando adentra outra escola ou mesmo no ambiente em que esteja atuando.
Luís Felipe – Uma curiosidade minha: o que a sra. achou do tema da redação do Enem? Uma das coisas que mais ouvi foi que o tema era “muito difícil”, pois é um tema no qual muitos dos alunos não pensaram sobre – a educação para surdos. Porém, a educação de PCDs é um tema no qual você, a Daisy Torres Farias, a Carmen Pereira, e várias outras pessoas que estão nesse grupo pensa diariamente. O que você diria para um estudante, ou uma estudante, de Ensino Médio sobre esse tema?
Suzy – O tema sugerido pelo Enem, acredito que tenha pego os candidatos um tanto de surpresa, pois o assunto, inclusivo, sempre é falado de uma forma generalizada, nunca específica. Na minha experiência, com os avanços da medicina, desde de implante coclear até o uso de tecnologias de informação e de comunicação, recursos facilitadores na linguagem de LIBRAS, creio que as dificuldades inclusivas hoje sejam mínimas. A dificuldade está na pessoa ter acesso a estes recursos…
Em função de não haver ainda estas tecnologias ao alcance das pessoas com deficiência, seria importante o candidato descrever a necessidade de solidariedade, que todos somos deficientes, da necessidade de toda uma comunidade escolar aprender a se comunicar em LIBRAS, estas seriam algumas sugestões de abordagem à redação.
Carmen Pereira – Parabéns pelo seu trabalho,professora Suzy! Gostaria de sua opinião sobre a contribuição da neuropsicopedagogia para a formação do professor e profissional na área da inclusão.
Suzy – Na minha opinião o conhecimento da neuropsicologia é de fundamental importância às estratégias pedagógicas inclusivas, pois através de uma competência apurada de como funciona o nosso cérebro X emoção X pensamento X motivação X recursos facilitadores, é que conseguiremos montar uma proposta adequada ao aluno com deficiência.
O conhecimento da evolução psicomotora é fundamental para a prática Inclusiva. Os autores citados acima, todas reconhecem a importância de propiciar ao nosso aluno uma atividade que esteja adequada ao seu nível psicomotor e ao seu centro de interesse.
Muitas vezes, no contato inicial com os educadores, percebo que a maioria conceitua psicomotricidade somente como segurar um lápis, recortar ou fazer um encaixe. Quando é demonstrado as várias áreas cerebrais que estão envolvidas em uma simples atividade, o professor se dá por conta o quanto poderíamos estimular o nosso aluno em uma simples atividade de colagem, por exemplo!
FMSS – O que você diria para um gestor público (ou uma gestora pública) que não considera a questão da inclusão de pessoas com deficiência uma prioridade nas políticas públicas? Como você descreveria, para essa pessoa, o impacto disso nas vidas da família, da comunidade e dos estudantes?
Suzy – A mensagem que eu deixaria: Acreditar e, principalmente, por em prática à educação inclusiva. Crer que todos somos iguais diante da equidade social que tanto se discute e se busca na teoria. Porém, temos que ter ciência que a prática desta educação inclusiva, não envolve somente a formação de educadores, adaptação curricular, infraestrutura nas escolas para todas as deficiências, apoio técnico especializado e recursos pedagógicos facilitadores. A educação inclusiva de fato, precisa contar com a sensibilização e a participação, não somente de toda uma comunidade escolar, mas também da sociedade e dos gestores governamentais das três esferas, buscando assim, fazer o sentido de justiça social que tanto se prega.
Se existisse o verbo “cidadanizar”, usaria este verbo de ação ao processo inclusivo. Obrigada pela oportunidade e pela troca de aprendizado!