Por: Flávia Leal Alves
As duas jovens vencedoras da 2ª edição do Prêmio RBS de Educação subiram ao palco do Theatro São Pedro, em Porto Alegre, em finais de 2014, com uma missão: transformar suas comunidades por meio da leitura. Elas são Letícia Vargas, 15, e Bruna Donadel, 17.
Letícia e seus amigos percorreram diversos povoados rurais do interior de Quinze de Novembro (RS) com a Caravana da Leitura. Montaram uma biblioteca itinerante e saíram distribuindo livros e arte por onde passavam. Sendo transportados por uma Kombi colorida, chegaram a escolas de toda a região do Alto Jacuí. Levavam livros, mas também teatro, canto, contação de história. Era uma alegria só! Na última apresentação do ano, ocorrida em novembro de 2015, eles reuniram um público de mais de 3 mil pessoas, que se acotovelava para assistir aos jovens caravaneiros. Seriam eles cavaleiros da távola da leitura? Ou seriam bruxinhos vindos de Hogwarts – sim, a escola do Harry Potter, por que não? – prontos para compartilhar o conhecimento com o toque de suas varinhas mágicas que multiplicavam livros em mais livros? Não sabemos. Mas sabemos que aqueles caravaneiros eram muito corajosos e ligeiros.
Partindo de Quinze de Novembro, chegamos lá do outro lado dos morros, em Timbé do Sul (SC), cidade da Bruna, também vencedora do Prêmio RBS. Bruna ama Matemática. Os números mostram a ela universos antes desconhecidos. Por vezes, os jovens veem a Matemática como um dragão de sete cabeças, muito malvado e completamente assustador. Já Bruna, não. E é essa descoberta que ela quis passar a seus alunos: a Matemática é legal demais, e pode ser compreendida por todos que se aventuram por suas trilhas. Reunindo um grupo de alunos de sua escola, Bruna deu aulas para uma turminha antes desestimulada. E que, após um ano de preparação, conquistou medalhas e menções honrosas na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP).
Ficou curioso (a) para saber mais sobre elas? A FMSS conversou com as duas por telefone e elas contaram como foi o processo de colocar em prática seus projetos.
O Prêmio RBS de Educação tem o objetivo de valorizar boas práticas de leitura no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Mas sabemos que o Brasil tem baixos índices de leitura… Diversas pesquisas mostram que o brasileiro lê pouco, temos ainda muitos municípios sem biblioteca, os livros são caros… Mas a leitura tá na boca do povo. Tanto que o tema da redação da UFRGS de 2016 foi sobre o papel da leitura na era digital. Na opinião de vocês, qual a relevância de ser leitor hoje?
Bruna: Ler é importante, muita gente fala do que não sabe, mas se você pesquisar, se aprofundar, isso vai agregar valor. Vejo muita gente dando respostas aleatórias. Todo mundo fala sobre alguma coisa, mas é a leitura que dá base pra falar dos assuntos. No curso de Matemática (Bruna cursa a UFSC), por exemplo, eu vejo o quanto é importante passar o conhecimento para outra pessoa. Sempre tem algo pra aprender. Quem começa a ler, vai lendo cada vez mais. Se você não for um bom leitor, você vê uma questão de Matemática e não entende nem mesmo o enunciado. Matemática é difícil. É preciso se dedicar, buscar informações é fundamental.
Letícia: Sem a leitura não sabemos o melhor jeito de falar, de se comunicar. Fui pra uma escola nova, agora estou no Instituto Federal, se eu não tivesse ido além da minha obrigação na escola anterior, se eu não tivesse procurado por minha conta os livros, não saberia usar bem as palavras, escrever os textos, não iria bem na escola. A leitura modifica muito o aprendizado. Viramos pessoas mais sábias.
Vocês foram responsáveis pela disseminação da leitura em suas cidades. Mas não foi uma trajetória fácil, certo? Contem pra gente quais foram os principais desafios para colocar em prática o projeto.
Bruna: As questões que caem nas olimpíadas não costumam aparecer na escola. Por isso, exige muito dos alunos, eles precisam ler e entender o que leram. Muitos alunos quando se deparavam com os enunciados das questões não entendiam, não sabiam interpretar o que liam. Foi difícil no começo. Percebia que eles liam, mas que não tiravam informação daquilo ali. Davam qualquer solução, muitas vezes sem pensar, sem refletir. Foi difícil vencer a barreira. Também enfrentei o desafio da distância, pois como passei no vestibular em Florianópolis, precisava me deslocar nos finais de semana para Timbé do Sul (são quatro horas de ônibus e mais uma hora de carro, o pai de Bruna ia buscá-la na rodoviária). Pra isso, usei com eles a plataforma Edmodo, que me permitiu ajudá-los à distância. Por meio desse espaço virtual, eles me mandavam os exercícios, e eu corrigia. Me ajudou muito no processo, pois eu conseguia acompanhar um por um, identificando as dificuldades de cada um deles. Foi uma luta, pois a faculdade também me puxava. E não era apenas dar aula, eu precisava me organizar e planejar o que ia ensinar.
Letícia: O público da Caravana da leitura tinha tanto pessoas jovens quanto pessoas mais velhas. Levamos a Caravana para todas as pessoas. Atingir as pessoas mais velhas foi o mais difícil. As crianças se interessam mais facilmente. Já os mais velhos, como muitos passaram a vida inteira sem ler, não tinham o hábito. Uma senhora chegou a me dizer que ler é pra quem não tem nada pra fazer. Eu disse que não era assim, mostrei o quanto é importante ler, que as pessoas aprendem muito lendo.
E quais foram as maiores realizações?
Bruna: Foi tudo muito bom, no último dia de aula eu até chorei de tanta alegria, fiquei emocionada. No final do projeto tava todo mundo junto, os alunos continuaram a se encontrar após o fim das aulas, eles melhoraram bastante em Matemática. Conseguiram até medalhas e menções honrosas na OBMEP. Avançaram no conhecimento. A mãe de uma de minhas alunas, a Isabelle, me disse que antes ela tinha muita dificuldade com Matemática, mas que com as minhas aulas, hoje ela tá bem na escola. É um ganho, me realizo, fico feliz. Com a verba do projeto, consegui comprar materiais para montar a sala Desvendando a Matemática. Gostaria de ter tido algo assim na época em que estava na escola. Não tive, mas deixei pra eles. Tenho certeza que o rendimento deles e de outros alunos vai ser muito maior daqui pra frente.
Letícia: Foi ver as crianças e o mais velhos descobrirem o prazer de ler. Muitas vezes, eram pessoas que liam pela primeira vez. Vi que as pessoas se interessaram, gostaram. Aonde eu vou me perguntam se podem doar livros, perguntam como podem ajudar. Gente de todo lugar. Achei que só as pessoas da minha cidade se envolveriam, mas foi mais. Até mesmo uma moça de São Paulo, escritora, me mandou um e-mail perguntando se podia doar livros para a Caravana. Ela me mandou um monte, 10 livros.
Do início de 2015, quando começaram a trabalhar em seus projetos, até agora, vocês perceberam mudanças em suas comunidades?
Bruna: Notei que os alunos gostaram de participar das Olimpíadas. Eles viram que não é um bicho de sete cabeças. Percebi também que tiveram um olhar mais aberto, que aprenderam a aproveitar melhor a escola. A diretora e alguns professores também se engajaram. Uma professora vai até mesmo inscrever os alunos em outras Olimpíadas.
Letícia: Vi que as pessoas começaram a ser mais tolerantes. Nos primeiros encontros, percebia que muitos estavam envergonhados, não sabiam se podiam pegar os livros. Depois, no final, o público estava mais solto. Não tinham medo da gente. Até mesmo se enturmavam com a gente, tinham mais interesse nos livros.
E vocês, também mudaram após a experiência?
Bruna: Amadureci muito. Aprendi a lidar com pessoas, e vi quão complicado é lidar com pessoas (risos). Aprendi a correr atrás das coisas, aprendi muito. Cresci como pessoa. Se eu for ser professora, sei como será. Sei o caminho.
Letícia: Antes eu não me importava em oferecer livros aos outros, eu lia sozinha, com meus amigos. Com a Caravana, aprendi que é importante mostrar o que sabe aos outros, passar a experiência pra frente.
E agora a pergunta que não quer calar: a Caravana da Leitura e o Desvendando a Matemática continuam em 2016?
Bruna: Do jeito que foi feito em 2015, não. Não consigo acompanhar devido à faculdade. Os alunos me perguntaram se voltaria… Mas incentivo que eles mesmos tomem a iniciativa e corram atrás para continuar. O meu projeto terminou, mas a sala Desvendando a Matemática ficou de herança para a escola, sei que eles irão continuar.
Letícia: Vai sim. A Caravana continua. Mudamos algumas coisas. Antes, eu era líder da equipe, agora, todos são líderes. Queremos que a cada ano tenha alguém novo no grupo. Vamos continuar o projeto nas mesmas comunidades. Mais pra frente, depois de uns 2, 3 anos, quando juntarmos mais livros, queremos ir para mais cidades.