Segundo o mais recente censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em 2015, 25% da população brasileira tem algum tipo de deficiência. Conviver e se relacionar bem com um número tão representativo de pessoas – 45 milhões – deveria ser comum, mas, na prática, não é, basta olhar para as ruas. No ambiente escolar, essa dificuldade também se reproduz e muitas são as dificuldades encontradas quando um aluno “diferente” entra na sala no primeiro dia de aula. E agora, como chamar e se relacionar de maneira natural com ele? Como se prepara uma turma de crianças e jovens para lidar com essa realidade? Como incluir respeitando as diferenças na escola e nos ambientes de convivência infantil?
Para Magda Silvia Berté Verissimo, psicóloga e consultora sobre inclusão, a resposta para começar a mudar a mentalidade é capacitar professores, educadores e instrutores.
“O professor ou as pessoas que conduzem aulas e atividades têm de entender sobre inclusão, tem de se aproximar desse assunto e tem de se interessar em ensinar para todos. Eles têm de ter algum material para ler, pois, sem isso, como vão ajudar? Infelizmente, o conteúdo sobre educação inclusiva na grade curricular de Pedagogia é mínimo. Portanto, a escola deveria levar materiais ou alguém para falar com esses professores, empoderando-os sobre esse assunto”, defende.
Segundo ela, após esse primeiro passo, o segundo movimento deve ir no sentido de envolver os pais ou o representante familiar, sendo que só depois desse conteúdo já ter sido trabalhado entre escola e família é que deve chegar ao aluno.
“Os pais ainda estão tendo grande dificuldade em lidar com questões de gênero, imagina envolvendo a questão da deficiência. É uma grande barreira atual que só será derrubada com conhecimento. Porém, na abordagem infantil, é preciso sensibilidade e naturalidade porque é um assunto delicado. Assusta as crianças dizer que uma pessoa perdeu uma perna ou que outra pessoa nunca mais vai enxergar, por exemplo”, diz Magda.
Desde 2015, os Escoteiros do Rio Grande do Sul, ONG de abrangência mundial de educação e lazer com 14 mil crianças e jovens inscritas no Estado, tem como um dos seus principais desafios promover a inclusão de crianças e jovens com deficiência e desenvolver a tolerância para as diversidades no movimento.
“Em 2014, durante o congresso mundial dos Escoteiros, definiu-se seis metas globais, sendo uma delas a inclusão de pessoas com deficiência (PCDs) e isso veio ao encontro de um interesse meu em trazer essas pessoas para o movimento. Essa nova política deixou de ser projeto de grupos, que, inclusive, foram precursores, como patrulhas exclusivas de cegos, por exemplo, para virar uma realidade. Levamos quase um ano elaborando esses conteúdos porque pensamos que se queremos receber pessoas com deficiência, precisamos capacitar os adultos para que o trabalho tenha a qualidade que a gente gostaria”, diz o coordenador regional de inclusão e acessibilidade dos Escoteiros do RS, Rafael Cavalcanti Lopes.
Foi desenvolvida, então, uma nova política educacional adaptando questões como o método educativo e progressão individual para a realidade da pessoa com deficiência. Os materiais, que têm informações técnicas e legislativas em adaptação à realidade do movimento, orientam os interessados, porém, lembra Rafael, não transformam sozinhos e descontextualizados.
“Nossos manuais são ferramentas que dão um norte, mas é sempre importante lembrar de trabalhar a sensibilidade e a parceria de acordo com cada situação. Não existe um segredo ou uma receita de bolo, mas, sim, respeito à individualidade”, conclui.
Acreditando que o conhecimento é a melhor forma para reverter o preconceito e promover a inclusão das pessoas com deficiência, selecionamos em manuais, guias e cartilhas orientações e sugestões de linguagem e convivência para que as pessoas sem deficiência possam se juntar ao esforço de promover uma inclusão natural e efetiva. Não se trata do politicamente correto, mas sim de legitimar avanços de mudança de mentalidade que as palavras devem refletir. Confira abaixo algumas dicas e comportamentos para evitar constrnagimento:
Baixe aqui os materiais dos Escoteiros do Rio Grande do Sul
Baixe aqui materiais da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo
Acesse aqui informações sobre terminologia e comunicação com pessoas com deficiência
Dica 1
Não use os termos pessoa portadora de deficiência, deficiente ou pessoa com necessidades especias. Hoje, o termo correto é pessoa com deficiência.
Dica 2
Se a conversa com alguém com nanismo ou que usa cadeira de rodas se estender, sente-se para ficar no mesmo nível do olhar.
Dica 3
Quando uma pessoa com muletas estiver andando, não dê tapinhas em suas costas, não toque ou segure-a com movimentos bruscos. Pode atrapalhar e causar queda.
Dica 4
Ao sair de uma sala, informe a pessoa cega. É desagradável para qualquer pessoa falar para o vazio.
Dica 5
Use pessoa em cadeira de rodas, usuário de cadeira de rodas, pessoa que anda em cadeira de rodas ou pessoa que usa uma cadeira de rodas. No contexto coloquial, é correto o uso do termo cadeirante.
Dica 6
Para chamar um surdo, dê um toque no ombro ou no braço dele, acene, se estiver perto, ou faça um sinal com as mãos para que outra o avise. Jamais grite.
Dica 7
Quando uma pessoa cega pedir para guiá-la, ela é quem deve apoiar-se e não você. Ela segura o seu braço com conforto e segurança. Cabe a quem guia prestar atenção no caminho.
Dica 8
Ao falar para uma grande plateia, inicie sem microfone para que os cegos possam saber onde você está. Com a propagação multidirecional do som, o cego não sabe em qual posição o interlocutor está.
Dica 9
Procure não tocar, ficar mexendo ou apoiar-se na cadeira de rodas. Ela é como se fosse parte do corpo da pessoa.
Dica 10
Deficiência intelectual não é doença mental. Por tanto, não trate deficiente intelectuais como doentes.
Dica 11
Ao orientar um cego para sentar-se, guie sua mão para o encosto da cadeira e informe se ela tem braços ou não.
Dica 12
Deixe as muletas ou bengala sempre ao alcance das mãos de seu usuário. Na dúvida, não retire do local onde estão.
Dica 13
Ao guiar uma pessoa cega, à medida que encontrar degraus e outros obstáculos, oriente-a citando calmamente com antecedência o que virá.
Dica 14
Ao presenciar um tombo de uma pessoa com deficiência, ofereça ajuda imediatamente, mas nunca sem antes perguntar se deve ajudá-lo mesmo e como deve fazê-lo.
Dica 15
Quando for ajudar alguém a guiar sua cadeira de rodas, vá com calma e empurre devagar. Jamais movimente-a sem pedir permissão para quem está sentado nela.
Dica 16
Quer ajudar para valer? Nunca pare nas vagas de estacionamento destinadas às pessoas com deficiência e nem estacione em frente às guias rebaixadas.
Dica 17
Não pegue uma pessoa cega pelo braço. Além de perigoso, você pode assustá-la.
Com informações da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo e projeto Diversa.
Situações constrangedoras
1. Deixar de conviver com pessoas com deficiência por “não saber lidar” ou “não ter conhecimento adequado”
Parte do nosso desafio de conviver com pessoas com deficiência é fruto da situação de exclusão e invisibilidade com este público ao longo dos anos. Não víamos pessoas com essas características frequentando a escola, o trabalho, as ruas ou espaços de cultura e lazer, e por isso não nos sentimos hábeis. Por outro lado, não há um saber único ou uma receita que oriente como conviver com pessoas com deficiência. Cada indivíduo é único. Duas pessoas com Síndrome de Down podem aprender e se relacionar de formas totalmente distintas, ou ainda, nem toda pessoa cega usa braile, assim como nem toda pessoa surda usa Libras ou nem toda pessoa com deficiência física usa cadeira de rodas. A diversidade humana é complexa e irredutível.
2. Tratar como pessoas “especiais”, “coitadinhos” ou “heróis”
Pessoas com deficiência são pessoas como você, elas não têm “superpoderes” de superação, não esperam ser espelhos/exemplos, nem são menos do que os outros indivíduos. O uso de eufemismos ou trocadilhos de deficiência/eficiência diluem as diferenças e não a reconhecem como parte da sociedade. A condição de deficiência é apenas uma entre tantas outras características que a constitui como indivíduo.
3. Infantilizar a pessoa por sua deficiência
Ao tratar uma pessoa com deficiência como uma criança é subestimar sua autonomia e sua capacidade de compreensão e decisão. Por isso, converse com e sobre as pessoas com deficiência de acordo com sua faixa etária.
4.Responder ao acompanhante e não à pessoa com deficiência
Estabeleça uma relação direta com o indivíduo e pergunte qual a melhor forma de atendê-lo ou ajudá-lo. Jamais se dirija ao acompanhante de uma pessoa que aparenta ter um impedimento para tratar de assuntos referentes a ela.
5. Achar que pessoas com deficiência sempre precisam de ajuda
Na dúvida, pergunte se ela precisa de ajuda e como você poderia apoiá-la. Manusear em sua roupa, cadeira de rodas, muletas, bengalas e etc sem consentimento é extremamente grosseiro. Agir ou falar pela pessoa com deficiência é desrespeitar a capacidade e as possibilidades desse indivíduo e vai na contramão da igualdade de direitos.
6. Fazer perguntas íntimas por curiosidade
Pessoas com deficiência não são objetos de estudo e curiosidade. Nem todas as pessoas se sentem à vontade para falar sobre sua vida íntima. Perguntas dessa natureza podem ser indelicadas e invasivas para outras pessoas.
7. Achar que pessoas com deficiência não aprendem/entendem
Toda pessoa aprende. Sejam quais forem as particularidades intelectuais, sensoriais e físicas do educando, parte-se da premissa de que todos têm potencial de aprender e ensinar. É papel da sociedade em geral favorecer a criação de vínculos afetivos, relações de troca e a aquisição de conhecimento.
8. Acreditar que pessoas com deficiência esperam por “privilégios”
O direito à igualdade é regido por um princípio que diz que, em determinados casos, precisamos tratar desigualmente para promover justiça. É o caso de segmentos tradicionalmente excluídos, como as pessoas com deficiência. Essa busca pela redução/eliminação de barreiras não é uma construção de privilégios e sim, uma adequação dos espaços/relações para a equiparação de oportunidades. Rampas e elevadores, por exemplo, permitem a livre circulação de todas pessoas, independentemente de suas particularidades. Pensar em espaços acessíveis favorece a autonomia de todas as pessoas, incluindo aquelas com alguma deficiência ou mobilidade reduzida.
Informações Aline Santos, coordenadora do projeto DIVERSA, do Instituto Rodrigo Mendes