Até meados de 1970, os castigos físicos ainda eram praticados em salas de aula pelo Brasil afora. A educação era percebida como um sistema que formava crianças e adolescentes com disciplina e rigor. Vigiar e punir, diria Michel Foucault?
É por certo que as escolas estão inseridas em contextos socioculturais e políticos que ultrapassam seus muros. A sala de aula é uma veia aberta que recebe influências do corpo complexo que é a sociedade. Um corpo vivo que cresce e se transforma. Que vivencia tempos de barricadas, maresias, continuidades e desconstruções.
Historicamente, a humanidade vivenciou a Ágora do livre debate; o aprendizado africano compartilhado ao redor do Baobá; o silencioso e paciente manuscrever dos copistas medievais. As salas de aula também estavam nas ruas, com as primaveras que revolucionaram as formas de pensar: renascimentos de culturas e iluminismos populares. As salas de aula também estavam nas escolas. No Ocidente, a partir do pensamento industrial do século 18, ainda mais formatadas para as exigências de uma época.
De lá pra cá, o que mudou? Partindo do pressuposto de que a História não é uma linha didática linear, e, sim, permeada por reviravoltas e complexidades, proponho a seguinte reflexão: quais são os modelos de sala de aula anacrônicos para o século 21?
Não faz muito tempo que as palmatórias foram proibidas no Brasil. No inconsciente de muitos, a sala de aula é um espaço em que prevalece o medo de falhar. O erro é punido. Não mais com a violência física. Mas o medo de errar em testes e provas. Afinal, uma prova, seja ela o Enem ou o vestibular, irá definir quem entrará na Universidade – entidade ainda percebida como a alavanca para o sucesso profissional.
Parafraseando João Guimarães Rosa, a sala de aula seria, portanto, uma megera cartesiana? Ou seja, que preza pela formação de indivíduos racionais, e é orientada para passar conteúdos a alunos muitas vezes desinteressados e amedrontados com as provas?
A escola é muito mais que isso. Ela é um ecossistema em que o ser humano é sapiens, mas também é faber, é ludens, é symbolicus. Como toda aprendizagem, ela se expande; como todo pensamento, muda e se transforma. A sala de aula do século 21 exige uma mudança de percepção: ela precisa ser transformadora.
*Flávia Leal Alves é coordenadora de projetos sociais da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho. Artigo publicado no jornal Zero Hora em 02/07/2015.