A inserção da juventude nos debates políticos é um desafio comum em grande parte das democracias do mundo. Isso porque participar da vida pública vai além de ter um título de eleitor e comparecer às urnas de dois em dois anos. Exercer o voto é apenas um dos passos da atuação política de uma cidadão engajado. Mas se o ato de negociar é inerente desde a mais tenra infância, quando birras e choro são utilizados para expressar necessidades e contrariedades, como aprimorar essa prática na juventude para o bem comum?
Para avaliar a participação da juventude na esfera pública é preciso esclarecer alguns conceitos acerca do que se entende sobre juventude, quando ela começa, o que a caracteriza e quando termina. A definição de uma faixa etária da juventude é controversa. A Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que juventude é a fase entre 15 e 24 anos, mas aceita formalmente em muito de seus programas de estudo e participação cidadã “jovens de até 35 anos”. A ONU admite, no relatório A Juventude na Ibero América: tendências e urgências, publicado em 2004, que “cada época e sociedade impõem a essa etapa da vida fronteiras culturais e sociais que definem determinadas tarefas e limitações a esse grupo da população”, diz o documento.
Ao realizar sua Estratégia Juvenil, a Unesco usa diferentes definições de jovens, dependendo do contexto. Para atividades em nível internacional, utiliza a definição universal da ONUs. Para as atividades em nível nacional, por exemplo, os “jovens” podem ser entendidos de forma mais flexível, seguindo a definição adotada pelo Estado em questão. Pode basear-se, por exemplo, na definição dada na Carta da Juventude Africana, onde “juventude” significa “todas as pessoas com idades compreendidas entre os 15 e os 35 anos.
Em seu site, a Unesco complementa que “a juventude é uma categoria mais fluida do que um grupo de idade fixo. No entanto, a idade é a forma mais fácil de definir essas pessoas, particularmente em relação à educação e ao emprego. Portanto, a juventude é freqüentemente indicada como uma pessoa entre a idade em que ela pode deixar o ensino obrigatório e a idade em que ela encontra seu primeiro emprego.”
A verdade é que é impossível uma definição estanque sobre o significado da juventude. No Brasil, segundo o Estatuto da Juventude, sancionado em 2013, é jovem todo cidadão com idade entre 15 e 29 anos. A presença desta parcela da população, cerca de 50 milhões, na esfera pública enfrenta empecilhos estruturais. Um dos passos para começar a transformar essa realidade é modificar as instituições para que elas se tornem mais receptivas às demandas. A participação empoderada dos jovens depende dos espaços disponíveis em suas comunidades e das chances que têm para se expressarem e serem ouvidos. Essas oportunidades aumentam a confiança e a vontade de participar de temas que sejam próximos de seu cotidiano.
“Nos últimos anos tivemos importantes avanços históricos para juventude brasileira, como a inclusão do termo jovem na Constituição Federal, Estatuto da Juventude, criação da Secretaria Nacional de Juventude e Conselho Nacional de Juventude, entre outros pontos, mas a política de juventude em termos de política institucional ainda é muito recente no país. Sem dúvidas é preciso avançar e fortalecer ainda mais essa política institucionalmente”, afirma Ricardo Prates Bassi, 34 anos, coordenador desde 2015 do Departamento de Políticas para a Juventude (DPJ) no Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
O órgão foi constituído originalmente em 2011 como Coordenadoria Estadual de Juventude, então ligado ao Departamento de Direitos Humanos e Cidadania da Secretaria Estadual da Justiça e Direitos Humanos. Em 2016, seguindo a diretriz do Governo Federal e a experiência de outros estados, emancipou-se e reestruturou-se fruto de antigas reivindicações da juventude, o que, segundo Bassi, permite ao departamento mais autonomia de trabalho.
“Diante da importância e a transversalidade do tema, era necessário que houvesse uma projeção das políticas públicas de juventude no Rio Grande do Sul. O DPJ tem em seu planejamento estratégico o eixo ‘protagonismo juvenil’ que inclui, além de outras iniciativas, fomentar junto aos municípios gaúchos a criação de coordenadorias municipais de juventude e conselhos municipais. Nesse sentido, muitas cidades estão avançando, mas não raro o DPJ se depara com a falta de sensibilização para as políticas de juventude. Gestores e prefeitos desconhecem a importância de dar voz e promover oportunidades para os jovens, o que impede o conhecimento e acesso dos mesmos às políticas públicas que lhes são de direito”, complementa.
Na outra ponta, um segundo desafio para a participação juvenil na vida pública é reverter o descrédito gerado pelos sucessivos escândalos de corrupção e desvios éticos de políticos brasileiros, que afastam a população da cultura de participação e da decisões coletivas. Reflete essa realidade o número de jovens brasileiros que cada vez mais estão atrasando o início formal de sua participação cidadã no sistema política, como o título de eleitor entre 16 e 17 anos.
Segundo números do IBGE, a população brasileira nessa faixa etária soma cerca de 6,8 milhões de pessoas, porém, o número de eleitores nessa faixa é de 1,4 milhões, o que equivale a cerca de 20% do total de jovens nesta faixa etária. De acordo com dados do TSE, eleitores entre 16 e 17 anos representam atualmente pouco menos de 1% do eleitorado brasileiro. Em todo o país, apenas um em cada cinco jovens para os quais o voto é facultativo tirou seu título e está habilitado para exercer este direito em 2018.
“Salvo aquele jovem que milita ou está em algum partido, eu vejo o jovem bem afastado da questão pública por um cenário complexo de situações que acompanhamos e que estamos acompanhando. Mas isso se observa não apenas com o jovem, mas todas as pessoas de maneira geral. Focamos nosso trabalho na questão do desenvolvimento jovem almejando o seu protagonismo, que é uma questão social urgente, e também aproveitar a potencialidade, o talento e criatividade em iniciativas juvenis já existentes para resgatar o poder público não como uma ponta isolada, mas como um meio de aproximação e transformação da sociedade”, diz Filipe Tisbierek, 41 anos, coordenador de Políticas Públicas para Juventude em Porto Alegre.
Tisbierek assumiu o órgão depois da reforma administrativa proposta pelo prefeito Nelson Marchezan Júnior este ano em que reduziu o número de secretarias de 37 para 23. Assim, a Secretaria da Juventude foi extinta e virou um órgão dentro da nova Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS).
“Vivemos um momento de transição complexo porque antes tínhamos estrutura de secretaria com equipe, sede e orçamento e fui convidado para assumir esse órgão muito mais simples e resumido e com todas as dificuldades financeiras que são públicas e notórias. Estamos priorizando um levantamento de todas as entidades, instituições e movimentos que atuam com a juventude ou movimentos de jovens dos mais diversos que sejam mais abrangentes do que apenas o hip-hop e o skate, que são manifestações genuínas e legítimas, mas não são as únicas. Nós precisamos enxergar o todo porque tem muita riqueza e pluralidade em Porto Alegre”, reitera.
Conselhos municipais e tecnologia como engajamento
Exemplo de espaço para o exercício da cidadania dos jovens, os conselhos da Juventude compõem uma das esferas de atuação e interlocução dessa parcela da população com o poder público no planejamento e acompanhamento da execução das políticas públicas. Ligados ao Poder Executivo, é neles que representantes da sociedade civil organizada podem debater sobre os projetos e as necessidades comuns e inseri-los na agenda governamental.
Atualmente, o Brasil conta com o Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), além de dezenas de conselhos estaduais e centenas de conselhos municipais, com diferentes formatos e estruturas de funcionamento. O Conselho Estadual da Juventude (Conjuve-RS) foi criado por lei em 2013, e o Conselho Porto-Alegrense da Juventude, instituído em 2007.
“Estamos concluindo uma fase de reestruturação do conselho para que ele tenha uma vida orgânica, pois é um dos espaços legítimos da participação da população”, diz Tisbierek.
Além das formas tradicionais de atuação no sistema público, uma ferramenta valiosa para a educação cidadã e o engajamento juvenil é a habilidade dos jovens para dominar e manusear com rapidez a tecnologia. Ciente da presença dos jovens nas redes sociais, o DPJ atua com uma página no Facebook regularmente atualizada para divulgar ações e parcerias, divulgar projetos e responde dúvidas de usuários. O perfil no Twitter na extinta Secretaria Municipal da Juventude está desatualizado desde outubro de 2014, e nem foi substituído por outro depois da reforma administrativa. Informações referentes aos projetos sociais são compartilhadas nos canais da Prefeitura no Facebook e no Twitter. A única interface digital constatada e atualizada mais regularmente pelos órgãos municipais voltados para a juventude é o perfil do Conselho Municipal da Juventude no Facebook.
“Com os avanços tecnológicos, vejo que os jovens estão ligados no que acontece ao redor, querem participar e darem sua contribuição, mas o outro lado precisa ser mais atrativo. Vemos que o interesse existe, falta apenas incentivo. Sempre que ocorre (procura de jovens via redes sociais ou canais digitais), respondemos para que ele possa ser contemplado em sua questão plenamente”, diz Bassi.
Educar para a cidadania
Levar a educação política para a escola é uma das formas para fomentar a cultura cidadã e o protagonismo juvenil nas decisões públicas. Foi com essa motivação que a economista pela UFRGS e mestre em Administração Pública na Universidade de Columbia Diana Engel Gerbase criou em Porto Alegre a Mobis, startup e ONG sem fins lucrativos que tem como objetivo educar jovens para a cidadania.
“A Mobis começou com uma vontade minha porque a educação para a cidadania não faz parte do currículo escolar brasileiro, apesar do direito ao exercício da cidadania estar na Constituição Federal e ser considerado um fator de interesse público. Nos Estados Unidos, onde fiz o Ensino Médio, tive disciplinas como governo, leis, simulação de juri, políticas públicas, entre outras. Aí fui estudar e me aprofundar no tema e vi que o Brasil é uma das oito democracias no mundo que não ensina cidadania, nem como disciplina, nem como conteúdo obrigatório”, diz.
Após anos de atuação em uma consultoria estratégica em um grupo internacional de pesquisa, seu projeto saiu do papel em 2013 quando firmou parceria com uma escola, o Colégio Estadual Florinda Tubino Sampaio, do bairro Petrópolis, em Porto Alegre para um projeto piloto por sete semanas. Neles, cinco turmas do 1º ano do Ensino Médio receberam formação em cidadania, aprendendo a resolver conflitos e a solucionar problemas reais por meio do diálogo.
“O piloto trouxe a realidade da escola brasileira de restrições, de falta da estrutura, de precariedade de recursos, da má remuneração dos professores… tudo. Por mais que a gente estude e leia sobre esse universo, tem coisas que a gente só vê na prática. Usamos muitas ferramentas de avaliação de impacto, fomos como uma esponja para absorver ao máximo e aplicar no futuro”, detalha.
Ao final do período, repetiram a mesma pergunta realizada antes da execução do projeto sobre a propensão de participar e observaram um aumento de 20% no número de alunos que se mostraram mais engajados depois das aulas.
Além disso, 53% deles disseram que se sentiam responsáveis pelo Estado e 35% declararam conseguir pensar mais em ações para resolver problemas na volta.
Fundada oficialmente este ano por Diana e mais quatro parceiros – Ana Luiza Cardoso, Chico Baldini, Melissa Baruffi e Bruno Paim, recebendo, depois, o apoio de Tobias Chanan como associado, a startup está hoje no Parque Científico e Tecnológico da Pucrs (Tecnopuc). Agora, a Mobis quer montar uma plataforma online de recursos educacionais abertos, disponível para financiamento coletivo por meio do site Benfeitoria, repleta de conteúdos, metodologias, atividades e ferramentas disponíveis para professores de todo o Brasil que queiram preparar indivíduos para a participação ativa na democracia.
“Há uma questão cultural do brasileiro de não se engajar em causas sociais, agravada pela crise em curso que estamos vivendo. Precisamos fazer um convencimento enorme para mobilizar as pessoas, para sairmos da zona de conforto. As pessoas adoram reclamar, reclamar hoje em dia é status, mas poucas pessoas dirigem essa energia para fazer algo transformador porque não adianta a gente só ficar reclamando. Afinal, a sociedade civil tem poder, ela pode fazer se se organizar. Estamos tentando iniciar um processo para fazer uma transformação de comportamento. A injustiça social sempre me incomodou, mas não adiante ter leis e regras adequadas se o cidadão não entende realmente o que está ali. Surgimos para mudar isso”, conclui Diana.