Para combater preconceitos sociais e desconstruir estereótipos de gênero desde a primeira infância, uma professora de Novo Hamburgo resolveu levar a discussão acerca do tema para uma escola municipal de Educação Infantil. Com um projeto de leitura que inclui atividades práticas para crianças entre 3 e 5 anos, ela foi a vencedora escolhida pelo júri especializado na categoria Gênero do 5º Prêmio RBS de Educação.
“Precisamos de persistência e de resistência para discutir gênero na escola. A conquista do Prêmio simboliza muito para nós e nos estimula a seguir no caminho certo. (O Prêmio) nos dá um respaldo muito grande nesta luta por um mundo mais justo, igualitária e que respeita as diferenças. Ele chega em um momento que a gente e o mundo tanto precisamos”, diz Jéssica Tairâne de Moraes, de 29 anos, professora autora do projeto Mediação de Leitura:Discutindo Gênero, violências contra a mulher, relações étnico-raciais e consumo na Educação Infantil.

Concebido e executado por Jéssica na Escola Municipal de Ensino Infantil Irmã Valéria desde 2015, o projeto começa com a mediação de leitura de obras infantis que rompem padrões. Uma vez por semana, Jéssica entra na salas de aula com a bolsa recheada de livros como Qual é a cor do amor?, de David Wojtowycz, Bibi brinca com meninos, de Alejandro Rosas, Menina Bonita do Laço de Fita, de Ana Maria Machado, Bom dia, todas as cores, de Ruth Rocha, e O Fusquinha cor-de-rosa, de Caio Riter. A partir disso, questiona: “meninos e meninas podem brincar com os mesmos brinquedos? Por que? As meninas não dirigem, os homens não cuidam das crianças? Por que meninos não podem brincar com bonecas e meninas com carrinhos? Como é na casa de vocês? Papai e mamãe dividem as tarefas ou não?”
Através de livros e atividades, a professora estimula o interesse das crianças pela leitura e pela criticidade do mundo que as cerca. A dinâmica inclui ainda análise de imagens comerciais e propagandas de brincando. Por fim, todos os alunos vivenciam a igualdade realizando tarefas domésticas, como lavar roupas, limpar a casa, cozinha, cuidar de bebê (bonecas), mostrando a importância do trabalho doméstico e como ele não pode ser restrito a um gênero.
“A gente percebe como resultado que as crianças brincam de forma muito mais integrada e estão mais atentas para rompes com estereótipos que, por ventura, são reproduzidos por um colega. Recentemente, uma aluna se aproximou perguntando: ‘professora, não é verdade que menino também pode ir ao salão de beleza e também passar creme no cabelo?’. Tenho percebido o efeito das atividades nas interações entre as próprias crianças”, detalha.
A ideia de trabalhar questões relacionados a gênero na primeira infância surgiu em 2010, quando Jéssica integrou um grupo de pesquisa sobre identidade de gênero na Feevale.

“Eu observei na minha pesquisa como bolsista de iniciação científica a generificação da infância, que desde cedo os estereótipos são transmitidos e reproduzidos e que nós precisamos mudar isso. Começamos o projeto de maneira tímida e despretensiosa e não esperava o resultado obtido”, detalha a professora que fez Magistério e tem formação em Pedagogia.
Jéssica conta que o retorno positivo das famílias dos alunos supera as ameaças e as ofensas pessoais recebidas, a maioria pela página do projeto no Facebook, De menino ou de menina?.
“São críticas de pais que não têm os filhos estudando aqui, são pessoas com o preconceito ainda presente. A escola tem esse compromisso com os direitos humanos e hoje ela é reconhecida na cidade por realizar esse trabalho de igualdade de gênero, algo que já faz parte da nossa filosofia. Hoje em dia, é moda falar de igualdade de gênero, mas é preciso seriedade, conhecimento e leitura para levar esse tema para a sala de aula”, defende Jéssica.
Anualmente, o projeto é aprimorado e ampliado. Em 2015, o projeto começou com uma turma, cerca de 15 alunos. Em 2017, abrangeu todas as crianças da escola, 105. Para 2018, Jéssica planeja criar um grupo de mães e avós e ampliar a discussão para a residência dos alunos.
“Enquanto tivermos altos índices de violência contra a mulher, em suas mais variadas formas, que, inclusive, muitas mulheres não se dão conta, teremos a necessidade de investir no empoderamento das mulheres”, encerra.
O projeto de Jéssica foi finalista do Prêmio RBS de Educação com mais duas iniciativas, uma de Cachoeirinha, de Gisele dos Santos Rodrigues (foto acima, centro), e a outra de Ivoti, de Ailim Schwambach (foto acima, à dir.).