A inclusão de pessoas com deficiência na educação está nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e também no Plano Nacional de Educação. No objetivo 4, a ONU define como necessidade mundial “Assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”. No Plano Nacional de Educação, a meta 4 estabelece que, até 2020, o Brasil deverá “Universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados”.
Nessa perspectiva, existe um histórico de dificuldades de educadores e estabelecimentos de ensino relacionados à inclusão de pessoas com deficiência. Durante o século XX, a educação de PCDs não esteve sob a lógica do acesso universal à educação, definindo “tratamento especial” para os “excepcionais”, nos termos da Lei de Diretrizes e Bases de 1971. O caráter transversal da educação de pessoas com deficiência passa a ser problematizado com a verificação dos altos índices de exclusão escolar. Nesse sentido, a responsabilidade por incluir as pessoas com deficiência no ensino regular passa a ser de toda a sociedade, e o Estado precisa promover a inclusão em todos os estabelecimentos de ensino sob a sua guarida.
A Política Nacional de Educação Inclusiva do Ministério da Educação, que fundamentou a meta 4 do PNE, é estabelecida em 2008. Desde esse ano, o número de alunos com deficiência nas classes comuns passa a superar o índice de alunos com deficiência em classes especiais, chegando a mais de 90% em regiões como o Nordeste (94,3%) e Norte (90,3%).
Nesse contexto, entretanto, educadores, estudantes e gestores apresentam dificuldades para cumprir os preceitos da inclusão de pessoas com deficiência dentro da escola. A Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, através do Mapa de Boas Práticas, mostra aqui alguns projetos que transformam as vidas de pessoas com deficiência através de processos que podem ser reproduzidos em quaisquer escolas, superando os problemas através de ações concretas.
Na ACELE, o ensino de línguas para quem não consegue ver
A professora de inglês Daisy Farias aprendeu, na sua formação profissional, as melhores formas de ensinar estudantes de todas as idades a adquirir conhecimento em outra língua. E quando a língua nova é para uma pessoa com dificuldades de enxergar?
Ao realizar uma oficina na Associação de Cegos do Rio Grande do Sul (Acergs), a professora percebeu que não são apenas as ferramentas que mudam, mas a aquisição do conteúdo como um todo. Além disso, ao receber alunos com deficiência visual nas suas classes, percebeu que os colegas ficavam apavorados ao ter de fazer uma dupla com uma pessoa com essa deficiência – e assim, a inclusão de estudantes em sala de aula apresenta dificuldades inesperadas.
– Há muitos anos, eu estudei inglês com uma pessoa que tinha deficiência visual, e não sabia como ajudar – afirma a professora. – Depois de muito tempo, essa oficina deu uma introdução de como os métodos de aprendizagem são diferentes.
Alunos com deficiência visual, por exemplo, usam computadores e celulares, devidamente adaptados, para conseguir adquirir os conteúdos que são passados no projetor e no quadro. O instrumento, porém, é apenas uma parte: Daisy repassa os conteúdos que serão ensinados em sala de aula antes do início das lições.
Em uma tarde chuvosa, Grazieli Dahmer, 35 anos, aguardava com paciência ser chamada para ir até a sala de aula. Ao lado de mais de 10 estudantes, com idades entre 13 e 55 anos, aprendia as conjugações verbais na língua de Shakespeare, usando um smartphone e ouvindo atentamente as lições dadas por Daisy.
– Estou gostando muito. Em outras escolas, eu me desanimei, não tinha material, ficava perdida. Aqui, a professora manda o material por e-mail, WhatsApp. As melhores ferramentas são os leitores de tela (no computador). Não é qualquer lugar que aceita uma pessoa com deficiência visual. Em uma escola de línguas não me aceitaram, em outra a coordenadora me falou que não iria me dar suporte – afirma a estudante de ciências de computação.
Grazieli ganhou uma das bolsas oferecidas pela Associação dos Cegos do Rio Grande do Sul na escola de línguas sediada na Avenida Osvaldo Aranha, em Porto Alegre. Soma o aprendizado em inglês às outras atividades, como o judô, o goalball e o atletismo.
– Eu acho que lidar com pessoas com deficiência deveria fazer parte do currículo dos professores. Nós somos obrigados a saber Libras (Linguagem Brasileira de Sinais), mas isso é apenas um dos aspectos relativos às pessoas com deficiência. Para quem tem deficiência visual, por exemplo, não aprendemos nada – afirma Daisy Farias.
Helfen: capacitando pessoas para lidar com deficiências
Ensinar professores a lidar com as mais diversas deficiências é uma das missões de Suzy Costa, terapeuta ocupacional com mestrado e doutorado nas áreas de educação. Ela é responsável pela Helfen Reabilitação Integrada, mantenedora da Escola de Educação Especial Marcel Emílio Dani, em Taquara. Assim como Daisy, o trabalho de Suzy está inscrito no Mapa de Boas Práticas em Educação, da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho.
– Infelizmente, no Brasil, os cursos de pedagogia têm poucas práticas que abrangem a educação especial, e todas as áreas ligadas à educação de pessoas com deficiência, especialmente a múltipla. Eu procuro capacitar os professores e pedagogos que ainda não se formaram, e até os técnicos em educação, para lidar com isso.
A Helfen lida com pessoas com múltiplas deficiências – não só motora, visual ou auditiva, mas também cognitiva. Adolescentes de 15 anos de idade, por exemplo, com o mesmo desenvolvimento cognitivo de bebês de 1 ano e meio. Como preparar os profissionais de educação para lidar com essa realidade?
– Fazemos encontros quinzenais e seminários internos para capacitar os profissionais, além de palestras e cursos de formação. Reforço na vida prática, pedagógico, psicológico: as pessoas têm a oportunidade de conversar sobre como a criança aprende, como fazer a adaptação curricular. O centro de interesse emocional e cognitivo do aluno é diferente. Não adianta fazer somente um curso de braile, colocar um computador adaptado em sala de aula: é um somatório de outras características e necessidades que os alunos têm – afirma Suzy.
PARA SABER MAIS
ACELE: 51-3331-3979
Av. Osvaldo Aranha, 894 – Porto Alegre – RS
HELFEN: 51-3542-3422
Rua José Avelino Ortermann, 2475 – Taquara – RS