Pesquisar e questionar padrões de gênero, físico, racial ou socioeconômico é parte do empenho de Maria Gabriela Pires de Souza, professora da rede de ensino porto-alegrense há cinco anos. No ano passado, o envolvimento de seus alunos do 5º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Saint Hilaire, na Lomba do Pinheiro, extrapolou a sala de aula, engajou a comunidade e conquistou a direção. O programa Desconstruir Estereótipos cresceu, ganhou espaço e atingirá mais alunos a partir deste ano. Atualmente, é um dos projetos que figuram no Mapa de Boas Práticas na Educação, levantamento da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho que valoriza e dá visibilidade a iniciativas gaúchas de impacto social em educação formal ou não-formal.
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A ideia partiu de uma reportagem apresentada aos alunos sobre a ausência de times femininos em clubes de futebol brasileiros. A matéria veiculada em março, mês da Mulher, evidenciava a desigualdade de gênero também nos esportes.
– A turma ficou surpresa com a notícia, mas as meninas ficaram mais impactadas porque sentiam isso na pele corriqueiramente: os meninos não as deixavam jogar futebol na escola e isso motivou o grupo de maneira especial – relembra a professora.
O trabalho interdisciplinar realizado por Maria Gabriela incluiu leitura de livros e interpretação de músicas e poemas sobre o tema, pesquisa na mídia, debates em sala de aula e entrevistas na comunidade. Os 30 alunos mergulharam no tema, e a iniciativa tomou proporções maiores num momento em que debates acerca da desigualdade de gênero e do feminismo ganham força no Brasil e no mundo.
– Eles concluíram que grande parte das entrevistadas passou por todos os tipos de preconceito porque, infelizmente, o senso comum equivocado ainda é muito presente. Assim, perceberam que condutas preconceituosas são transmitidas naturalmente sem ao menos um questionamento e muitas vezes por eles mesmos. O projeto abriu os olhos para isso: é hora de romper esse ciclo – acrescenta a profissional de 32 anos.
Para isso, o grupo criou um conjunto de materiais pedagógicos, como jornal, jogo, roteiros para uma série de filmes intitulado Me aceita como eu sou e página no Facebook. Além disso, confeccionou cartazes, camisetas, canecas e bolsas com frases que desconstruíam padrões coletados na comunidade como Menina também joga futebol, Todas as cores são de menino e de menina, Meu cabelo é bom, entre outras.
As famílias abraçaram a iniciativa organizando bazares e vendendo lanches para pagar os custos das impressões e o deslocamento para feiras e eventos. Uma dessas saídas foi para o Salão UFRGS Jovem, iniciativa que promove um intercâmbio de pesquisas desenvolvidas por alunos de diferentes idades com a comunidade. Lá, Desconstruir Estereótipos foi premiado com destaque Jovem Pesquisador na área de conhecimento das Ciências Humanas.
Uma das famílias atuantes foi a de Larissa Barcelos Silveira, de 11 anos, que adora jogar futebol. Orgulhosa do engajamento da filha, a mãe é um exemplo do envolvimento da comunidade.
– A discussão sobre a disparidade de gênero, que já era um assunto presente em casa, virou tema constante de debate e soube que atingiu residências em que o assunto ainda era tabu – diz Alice Barcelos, técnica em enfermagem.
A repercussão deu um novo capítulo ao projeto, e Maria Gabriela foi convidada para dar seguimento à iniciativa, mas agora em um programa escolar que envolverá alunos do 1º ao 5º ano interessados em seguir o debate no contraturno das aulas. Assim, a discussão surgida em sala de aula ganhou corpo e foi abraçada pela direção.
Servindo de exemplo e ganhando escala, a iniciativa contempla mais um dos requisitos do Mapa de Boas Práticas na Educação, o de reunir ações transformadoras que também possam ser replicadas e, assim, atingir um número cada vez maior de pessoas.
– Desconstruir Estereótipos ganhou espaço nos muros, nas paredes e nas discussões internas, vestiu literalmente a escola. Acompanhamos a movimentação e a agitação dos alunos desde o princípio e entendemos que era um projeto com potencial que não poderia ficar restrito a uma turma – diz Angelo Barbosa, diretor da escola.
Além de observar a mudança de comportamento dos jovens, Maria Gabriela conta que seus alunos viraram referência e foram constantemente procurados para mediar situações de conflito entre colegas envolvendo gênero. Satisfeita com a discussão que proporcionou, ela analisa o primeiro passo dado.
– Eles se transformaram e ajudaram a transformar. Começaram o ano tímidos, mas amadurecem com o conhecimento e viraram protagonistas onde quer que estejam. Eu disse que eles são a esperança e quando os vejo defendendo debates tão importantes nos dias atuais, eu penso: deu certo – conclui.